O Chefe do Estado Português, Óscar de Fragoso Carmona
O Ministro das Colónias, Dr. Vieira Machado, que acompanhou o Presidente nesta viagem
Visita a Mossâmedes (Moçâmedes, actual Namibe) do Presidente da República, General Óscar de Fragoso Carmona, no decurso das suas visitas a São Tomé e Príncipe e Angola, em 1938
Eis como decorreu esta visita em conformidade com o Boletim da Agência Geral das Colónias, vol xiv, nº 16:
8 de Agosto de 1938
O «Angola» chega a Mossâmedes às 9 horas precisas.
Notas de reportagem de bordo:
Desde
as 9 horas que navegávamos à vista da costa de Mossâmedes. A cidade
foi-se pouco a pouco mostrando, com a sua fisionomia de terra de
pescadores, branca e graciosa.
Às
10 e 15, no meio duma flotilha composta de mais de trezentas canoas e
outras embarcações de pesca, embandeiradas, o «Angola» e o «República»
navegavam nas águas da baía. Desses pequenos barcos, e de terra,
incessantemente, sobem foguetes no ar. Por cima dos navios que chegam
sobrevoam aviões do Aero-clube.
A
rainha Galinaxo, sentada à esq., aguarda o Chefe do Estado, junto a
comitiva de cuanhamas e cuamatos. Ao fundo a baía, as embarções, o navio
e a falésia da Ponta do Pau do Sul
Além,
na ponte, formava a tropa. Indígenas dançam. Vêem-se pretos do N’giva,
da Namacunda, compondo um soberbo friso de bárbara beleza, quarenta
cavaleiros cuanhamas, para os quais foi preparada uma aldeia. Os demais
negros, agitam bandeirolas das cores nacionais.Quanto
aos brancos que acudiam a receber o Chefe de Estado, formavam
considerável multidão. Além da gente de Moçâmedes, viera povo do
Lubango, e doutras partes.
Estavam,
por isso, cheias e apresentavam um rumoso e animado aspecto as ruas,
todas embandeiradas e engalanadas de arcos e plintos com os escudos como
os de Môngua Naulila. Há espectadores até nos telhados, sôbre
«marquises». Uma nota comevedora, - aponta um jornalista, é dada pelos
antigos colonos da Huíla rodeando a sua bandeira branca que êles amam
como um troféu valioso e que ostentam com orgulho. E no meio desses
velhinhos, que são um grupo encantador de gente rústica e boa, gente da
terra e que para a terra vive, que aqui se fixaram e de que nasceram
outras gerações, há dois que, modestamente, como envergonhados ainda de
terem sido heróis, ostentam no peito o colar da Torre de Espada do
Valor, Lealdade e Mérito. São Wellen Venter
(1) e Bernardino Fernandes Fraga (2), ambos portugueses e a quem a
Pátria deve serviços inestimáveis nas campanhas do Sul de Angola.
Das janelas e varandas, pendem vistosas colgaturas. Mais de duzentas embarcações festivamente rodeiam o «Angola».
Às 10 horas da manhã efectuou-se o desembarque do Senhor Carmona.
Os navios de guerra «Beira» e «República», que comboiou o «Angola»,
salvam. De terra, a foltaleza de D. Fernando dispara os seus canhões
antigos e fazem ouvir a sua voz. Estralejam no ar foguetes, estoiram
morteiros.
Um quarto de hora depois, via-se acolhido na
ponte pelas individualidades principais da província, por muitas
senhoras, e uma delegação de colonos da Huila com seus estandantes.
A
vereação achava-se sob o arco que simboliza as portas da cidade-
descreve um espectador do espectáculo - . O seu presidente faz entrega
das chaves ao Senhor Presidente da República, que, amavelmente, pede
para as devolver. Novas e vibrantes manifestações, enqunto de cima, do
alto do arco, um grupo de crianças gentis deixa cair flores. «Vivas»,
aclamações, envolvem também o Sr. Ministro das Colónias, Governador
Geral e Governador da Província. O hino nacional é ouvido em religioso
silêncio. O Senhor Carmona passou em revista a guarda de honra. Segue-se
o desfile das Companhias de infantaria indígenas que a constituem e
depois organiza-se o cortejo para o Município. Sempre no meio de
aclamações - conta o Notícias da Huíla - dirigem-se sob arcos que
ornamentam as ruas para a Casa da Câmara. Mas o entusiasmo é tanto, que o
povo invade as ruas, querendo rodear o Presidente, a quem não cessa de
saudar vibrantemente. As janelas, engalanadas, estão apinhadas de gentis
senhoras. Cai uma chuva de flores. E as senhoras e as meninas não são
as que menos mantém o seu júbilo. O friso lindíssimo de crianças das
escolas primárias de Mossâmedes e do Lubango, levam num beijo ao Senhor
Presidente da República, a saudade de milhares de crianças suas
companheiras, nota enternecedora que rasa os olhos de lágrimas de
comoção e de ternura. E neste pequeno campo, grande pela vibração e
pelo entusiasmo com que milhares e milhares de portugueses prestam a
sua homenágem à Pátria na pessoa do Presidente da República, vivem-se
momentos inolvidáveis. E o Senhor General Carmona, figura bondosa
bondosa de olhar enternecedor para tudo quanto o rodeia, sentindo bem a
vibração sincera das almas em delírio, agradece, sorrindo, sorrindo
sempre, emocionado e dominado. A multidão cerca o edifício da Câmara,
pois lá dentro não cabem todos, apesar da
sala ser ampla.
O
Senhor Presidente da República chegou à Câmara que inaugurou, com a
sessão solene no seu salão nobre. Nas paredes destacam-se os retratos do
Chefe do Estado e de Salazar. Os estandartes de todas as edilidades da
Província, do Aero Clube, do Ginásio Atético, do Sporting de Lisboa, do
Sporting, da Associação Ferroviária, dos Empregados do Comércio, do
Liceu da Huíla, formam no fundo em volta da mesa de honra, onde tomam
lugar, entre prolongados «vivas» e aclamações ao Chefe do Estado, o
Ministro das Colónias, o Governador Geral, o Governador da Província, e
o Presidente da Câmara Municipal.
Fora, em frente do
do edifício, a multidão continua a aclamar o Senhor General Carmona. Por
isso, antes da sessão começar, viu-se o Chefe do Estado na necessidade
de aparecer na varanda com o Sr. Ministro das Colónias. As aclamações
redobram de delírio então. Andam no ar capas de estudantes.
Uma
vez no salão o Senhor Presidente da República, começa a sessão solene.
Tudo quanto a Huíla e Mossâmedes contam de representativo estava
presente: convidados, oficiais da Marinha, do Exército, muitas Senhoras.
Em cadeiras reservadas no estrado sentam-se as esposas do Sr. General
Carmona, Dr. Vieira Machado, Coronel Lopes Mateus, Capitão Ferreira de
Carvalho e outras distintas damas, magistrados, vereadores de Câmaras.
Preside o Sr. General Óscar Carmona, que tem à direita o Sr. Ministro
das Colónias e o Governador da Huíla, e à esquerda o Dr. Governador
Geral e o Presidente do Município.
É o Presidente da municipalidade, Sr. Francisco Monteiro do Amaral, quem primeiro usa da palavra.
Disse:
(vidé boletim da agência geral das colónias : vol xiv : nº 162, pgs. 312 a 316)
Depois falou o sr. José Antunes da Cunha, presidente da Associação Comercial e Industrial de Mssâmedes, que disse:
(vidé boletim da agência geral das colónias : vol xiv : nº 162, pgs. 316 a 321)
Seguiu-se no uso da palavra o Governador Provincial da Huila sr. Capitão Ferreira Carvalho.
(vidé boletim da agência geral das colónias : vol xiv : nº 162, pgs. 321 a 324)
Chegou o momento mais solene da cerimónia.
Toda a assistência , homens e senhoras se erguem e preparam-se para
escutar. O Sr. Presidente da República, vai falar.
(vidé boletim da agência geral das colónias : vol xiv : nº 162, pgs.324 a 327)
Depois
o sr. General Carmona condecorou as seguintes pessoas: Coronel médico
dr. Monteiro do Amaral, com a Comenda de Cristo; Antunes da Cunha e Dr.
Carlos Tenreiro Carneiro, respectivamente, presidentes da Associação
Comercial e Sindicato do Pesca, com o grau de Cavaleiro de Mérito
Industrial, Manuel Seabra, comerciante do Lubango, Caetano Evaristo
Peixoto, funcionário ferroviário, oficiais de Mérito Industrial, António
Joaquim Ribeiro, de Mossâmedes, e José Nóbrega, do Lubango,
agricultores, oficiais de Mérito Agrícola.
À saida da sessão solene realizada no salão nobre da Câmara Municipal de Mossâmedes
O
Sr. Presidente da Republica dirigiu-se para o antigo palácio do
Governo, de carro, que a multidão tirou. Foi uma apoteose. A multidão, -
brancos e pretos, - comprimia-se, galvanizada pelo mesmo anseio de
saudar. Os estudantes rodeavam o automóvel. Os alunos do Liceu da Huila
cobriam o veiculo com as suas capas. O Sr. General Carmona, de pé,
comovidamente, agradecia as manifestações de carinho que de novo lhe
manifestavam.
O Chefe do Estado acenando à multidão da varanda do Palácio do Governador
Chegado
àquele Palácio, o Sr. General Carmona apareceu à varanda, a fim de
satisfazer as insistências da multidão clamorosa. Igualmente foi chamado
o Sr. Ministro das Colónias, que veio acompanhado da senhora de Fragoso
Carmona, a qual foram dados, também «vivas» entusiásticos.
Às 13 e 30 foi o almoço na Fazenda «Nossa Senhora da Conceição» da família Mendonça Torres, à beira do Bero.
Na
residência, o Sr. Eduardo Mendonça Torres, sua esposa, Maria Sales Lane
Torres, suas gentis filhas, Maria Antónia e Maria Eduarda e demais
família, recebiam com extremos de gentileza. O almoço decorreu num
ambiente encantador de respeitosa deferência para com o ilustre
visitante, Sr. General Óscar Carmona, a quem acompanharam os Srs. Dr.
Francisco Vieira Machado, coronel Lopes Mateus, capitão Ferreira de
Carvalho e demais pessoas da comitiva. A ementa fora «composta» sobre
lindos cartões com fotografias de diversos aspectos da Fazenda e que
constituíram uma interessante recordação do encantador local, dquela
deliciosa festa íntima.
O Sr. Eduardo de Mendonça Torres,
agradecendo a subida honra que lhe dera o Sr. General Óscar Carmona
visitando a Fazenda, disse: (vidé boletim da agência geral das colónias : vol xiv : nº 162, pgs. 328 a 330)
Por sua vez o Presidente da República erguendo-se, afirmou os seus
melhores agradecimentos pelas atenções de que fora alvo, e referindo-se
ao que na propriedade acabava de ver, disse todo o seu contentamento de
português. Depois condecorou o Sr. Eduardo Mendonça Torres com a Ordem
de Mérito Agrícola.
Nota da visita feita pelos jornalistas à fazenda:
«Os terrenos, como todos os do vale daquele
rio, são férteis, mas ali encontra-se a inteligência e mão do homem a
orientar e trabalhar. A visita deixa uma magnifica impressão, pois ali
mostram-se em interessante companhia as árvores de frutos tropicais e as
que se dão na metrópole. Os talhões de cultura, de alinhamento
impecável estão todos aproveitados. A água, que um grande engenho a
vapor tira do sub-solo corre, abundante, pelas valas. As ruas, limitadas
por filas de árvores de alto porte, são enormes, rectilíneas,
circulando à vontade, por entre elas, os automóveis. O jardim, bem
tratado, com lindas flores; as dependências, os estábulos de gado de
raça, tudo, enfim, que constitui os elementos de uma fazenda agrícola,
ali se encontra bem delineado, bem tratado, numa amplitude e num
conjunto que prende e encanta.»
Às
16 horas efectuaram-se na sala de recepção do Palácio do Governo os
cumprimentos o Sr. Presidente da República. Além das autoridades civis
militares e funcionários superiores , haviam acorrido corporações,
colectividades económicas, imprensa, e os colonos do distrito de
Mossâmedes, estando a recepção imensamente concorrida. Afavelmente, o
Sr. General Carmona recebeu cumprimentos, tendo palavras amáveis para
todos. O mesmo aconteceu no dia seguinte, quando a população dos colonos
e deputação com as autoridades e imprensa da Huila foram levar o Chefe
do Estado a expressão da sua respeitosa homenagem. A todos o General
Carmona encantou pela gentileza e simplicidades do trato.
O
Sr. Presidente da Republica visitou as instalações do Sindicato da
Pesca e as fábricas de conservas da Torre do Tombo, cujos operários o
aclamavam com ardor.
Após as visitas às fábricas, o
Sr. Presidente da Republica, sempre acompanhado pelos Srs. Ministro das
Colónias, governador geral e governador da província e vários membros da
comitiva, deu um passeio de automóvel pela cidade.
O povo saúda em delírio a esposa do Chefe do Estado e o Dr. Vieira Machado
Outra perspectiva das manifestações de júbilo pela visita do Chefe do Estado a Mossâmedes
À
tarde e à noite, no coreto da Avenida da República, tocou a banda da 1ª
C. I.I. O movimento no lindo jardim de Mossâmedes foi enorme.
Notas da reportagem.
São 19 horas. A
cidade iluminada e bela. Os edifícios públicos e a Fortaleza de S.
Fernando estão iluminado a electricidade. Vêem-se balões a correr pelas
ruas. Encosta sobre o palácio está cheia de luz. O jardim público
regorgita de gente.
No
Clube Nautico e em outras casas dança-se desde as cinco horas da tarde.
O entusiasmo é geral e indiscritível. Mossâmedes está a dar, com o Lubango, cuja população na maior parte está aqui, um nota de portuguesismo inequecível.
9 de Agosto.
A
nota cativante deste dia foi a festa infantil que teve por quadro o
Jardim Público, à beira mar, oferecida pelo Sr. Presidente da Republica e
sua ilustre esposa, sra. D. Maria do Carmo de Fragoso Carmona.
Principiou
a festa por um desfile de milhares de crianças de Mossâmedes, Lubango e
Huila, e uma explêndida demonstração do poder de adaptação da nossa
gente. Todos aqueles pequeninos eram filhos e até netos de colonos.
Lindíssimo espectáculo que arrancou por vezes ardentes palmas à
assistência, principalmente ao ser entoado por aquele Portugal de miúdos
o hino nacional. Centenas de senhoras presenciaram a festa, tendo
algumas delas auxiliado a esposa do Chefe do Estado na distribuição de
brinquedos, que dela fez parte.
O Ministro das Colónias e esposa distribuindo brinquedos às crianças na festa realixada no Jardim
O Chefe do Estado acariciando uma criança no decurso da festa
Outro aspecto da festa oferecida às crianças no Jardim Público
Depois,
o público pequenino sentou-se, em alacre algazarra, às mesas, sobre as
quais havia guloseimas em abundância, a encantar os olhos, a alvoraçar o
apetite. Terminada a refeição, espalhou-se a pequenada pelo jardim,
brincar, até quase ao fim da tarde.
Eis como um jornalista angolano descreve a festa:
«À tarde, no lindo jardim da linda Mossâmedes, terra encantadora e
de encantos, coberto de flores do deserto, na expressão feliz de Vieira
da Cruz, realizou-se a parada infantil de que participaram mais de mil
crianças das escolas de Mossâmedes e da Huila.
Apenas crianças das escolas, porque, necessário é dizê-lo, se todas
formassem, as da Huila e de Mossâmedes, formariam uma legião de mais de
quatro mil".
Rapazes
e meninas, todas branquinhas, de pele e vestuário, a sorrir ao sol, o
sol amigo dos pobres, e a sorrir ao venerando Chefe do Estado, que elas,
na sua brandura sentem ser alguma coisa de muito respeitável.
Impecavelmente
formadas a quatro, tambor à frente, bandeira de cada escola em cada
grupo, assim passavam durante quase meia hora, saudando o Senhor
Presidente, da Repúbliba que embevecido seguia com a vista admirada a
longa fila de laçarotes brancos, esvoaçando como pombas nas cabecitas
louras e escuras das pequeninas.
-Estão
alí os frutos da colónia, a garantia da perpetuidade da nação
portuguesa, disse o venerando Chefe do Estado no seu curso da chegada,
referindo-se às criancinhas.
É assim de facto. As crianças são o repositório de todas as nossas esperanças: esperanças de pais e esperanças dos estadistas. Ai
do país que descure a preparação da sua infância e o ensinamento da sua
mocidade. Mas isto são doutrinas e nós por hojs só queremos noticiar,
para mostrar mais tarde, logo que as circunstâncias no-lo permitam,
colher os ensinamentos e tirar as conclusões das inúmeras manifestações
de que foi alvo o Sr. General Carmona».
Antes
de retirar, o Chefe do Estado percorreu, de automóvel as ruas, tendo
sido, durante o percurso, sempre, delirantemente aclamado.
O
Chefe do Estado enviou um rádio ao comandante do aviso «Afonso de
Albuquerque» a manifestar a sua grande satisfação por a guarnição do
navio o ter acompanhado nessa grata missão de enaltecer a Pátria do
Império Português.
À noite, no Palácio, realizou-se um jantar de gala.
Pormenoriza do aspecto da sala, a reportagem local:
«Profusão
de luzes, de flores e de cristais. Notas de distinção e de elegância. A
refulgência dos ouros das fardas e a severidade do negro das casacas
contrastavam com as cores variadas dos vestidos das senhoras, de grande
elegância,sôbre os quais as jóias punham cintilantes fulgurantes».
Abriu a série de brindes, o Sr. capitão Manuel de Abreu Ferreira de Carvalho, governador da província, que disse: (vidé boletim da agência geral das colónias : vol xiv : nº 162, pg. 335 a 339)
Falou depois o sr Eduardo de Mendonça Torres pelos colonos do planalto: (vidé boletim da agência geral das colónias : vol xiv : nº 162, pg . 339 a 343
Pouco
depois pediu vénia para brindar o representante dos colonos da Huíla,
sr. João Ricardo Rodrigues, que se expressou nos seguintes termos: vidé
boletim da agência geral das colónias : vol xiv : nº 162, pg. 343 a 346 )
Encerrou
a série de brindes, o Dr. Carlos Baptista Carneiro, pelos orbanismos
económicos da Huíla:(vidé boletim da agência geral das colónias : vol xiv : nº 162, pg.
Por
último o Sr. Presidente da República pronunciou breves palavras de
profundo reconhecimento pelas atenções que lhe têm sido dispensadas e
mostrando quão grata tem sido para o seu coração de lusíada esta viagem
que o trouxe a terras tão portuguesas, onde todos se congregam para
dignificar o nome de Portugal.
10 de Agosto
Às
16 horas, realizou-se uma parada militar, a que assistiram, numa
tribuna, levantada na Avenida, o Sr. Presidente da República, o Sr.
Ministro das Colónias, o sr. Governador Geral, casas civil e militar do
Chefe do Estado, e outras altas entidades.

Ao
lado da tribuna formava uma força da marinha do aviso «República».
Brilhantíssima de impecável garbo a marcha das forças militares. À
passagem das unidades, o público irrompia em aplausos.
Cuamatos preparando-se para o desfile no velho campo de futebol de Mossâmedes
Ao
desfile das duas companhias de Infantaria Indígena, seguiu-se os das
deputações indígenas de toda a província. Cada soba vestia farda de pano
branco, de alamares verde e encarnados, trazendo na cabeça bonés de
pala. Na Avenida comprimia-se o povo curioso do bizarro espectáculo
desse desfile. Iniciaram-no os escoteiros.
Vinha
depois o grupo dos quarenta cavaleiros cuanhamas que passaram em frente
da tribuna, no belo arranque de um galope, a saudarem, agitando no ar
os chapéus emplumados, soltando ao mesmo tempo entusiástica gritaria.
O desfile dos quarenta cavaleiros cuanhamas
A
seguir, numerosas tribus, cada uma formada por numerosos indígenas,
indo à frente a rainha Galinaxo do Cuanhama, com seu traje de gala e
grande séquito de damas, uma das quais, a seu lado, ostentava alto a
bandeira portuguesa.
«No
local onde estamos - descreve o representante da Província de Angola, -
vê-se a Avenida extensa que é um mar de pretos e de tribus, todos com
bandeirinhas nacionais que agitam no ar, produzindo um lindíssimo efeito
e comunicando o seu entusisasmo à multidão que irrompe em «vivas»
prolongados.

Todas
as tribus indígenas, levavam ao lado os respectivos sobas e régulos,
bem como a bandeira nacional. Sempre que passavam em frente da tribuna
presidencial para saudar o Chefe do Estado, - soltando gritos de
entusiasmo, a seu modo, como homenagem do máximo respeito e veneração a
Sua Exª - , ouviram-se também , entre os gritos, muitos «vivas» a
Portugal e de simpatia pela Nação. Cada tribu apresentou os seus
batuques ao som dos quais os guerreiros e dançarinos negros rodopiavam e
faziam cabriolas, oferecendo assim um espectáculo inédito, de cor local
interessantíssina. Toda a gente o admirou, incluindo aqueles que vivem
em Angola. O desfile prolongou-se por longo tempo. Muito curioso o facto
de se terem apresentado na parada indumentárias indígenas das mais
variadas, tanto em homens como em mulheres, segundo as regiões. As mães
conduziam à mão ou às costas os filhos, visto que associavam a família a
estas manifestações.
Assim
foram passando cuanhamas, cuamatos, cacondas, ngivas, naulilas, evales,
namacundes, quipungos, quilengues, muílas, muhembes, as raças bravias
do Sul de Angola …
A Rainha Galinaxo e o seu séquito de damas cumprimentando o Presidente Carmona
Terminado
o desfile a rainha Galinacho, com o seu séquito e as mulheres dos
principais sobas, dirigiram-se à tribuna a cumprimentar o Chefe do
Estado , que comunicou por meio de um intérprete, e ofereceu à soberana
preta cortes de seda, além de outros valiosos presentes,entregando aos
chefes medalhas comemorativas da sua visita a Angola.
Instituto de Investigação Científica Tropical, Lisboa
Rainha GALINACHO dos cuanhamas
(imagem colocada além texto pela autora do blog)
Grande
alegria produziu a gentileza do Sr. Presidente da República, que foi
aclamado pelos negros, assim como o nome de Portugal. O Sr. General
Carmona retirou-se em seguida para o Palácio, sempre muito ovacionado
pela multidão, que também aclamou os Srs. Ministro das Colónias,
Governador Geral e Governador da Província.
À
noite, os edifícios e a fortaleza iluminavam novamente, assim como
muitas casas particulares. A Câmara Municipal ofereceu um baile que
decorreu com o maior brilho. Mossâmedes apresentava o aspecto de uma
animação de que não se guardava memória.
Às 6 horas da manhã, do Palácio do Governo largou uma extensa fila de automóveis.
Ia-se ao deserto de Mossâmedes a caçar. Diversão interessantíssima em
honra do Sr. General Carmona. No Pico do Azevedo foi servido o pequeno
almoço. Depois repartiram-se em três grupos de caçadores, cada qual com o
seu sentido, tomando o do Sr. Ministro das Colónias, a direcção do
local onde faleceu o Dr. Luiz Carriço, - Os morros Paralelos – onde foi prestada homenagem à memória do ilustre professor e naturalista.


«O
deserto apresenta aspectos vários e diferentes. Encontra-se areia
endurecida sobre a qual os carros deslizam velozes; e noutros pontos
pedras soltas. No fundo vêem-se morros altos que o circundam, e árvores
de pequeno porte que vivem numa espécie de leito de rios que aqui se
chamam danibas e são locais geralmente frequentados por caça de toda a
espécie».
A
primeira peça abatida foi uma gazela com um tiro da carabina do Sr. Dr.
Francisco Vieira Machado, que por esse motivo recebeu muitas
felicitações. Encontrou o grupo Leste chefiado pelo velho caçador João
Teixeira e Raimundo Serrão , várias manadas de cabras das quais foram
abatidas algumas.


Cerca das 11 horas encontrava-se outra de guelengues, - grandes antiólopes- de que, na perseguição, tombaram três exemplares.
O primeiro caiu com uma bala do Sr. António Eça de Queiroz, que também
derrubou um famoso e célebre avestruz. Correm lebres. Fora do alcance do
tiro, precipitam-se na fuga manadas de zebras. Os operadores
cinematográficos não descansam. Os carros rodam a toda a velocidade, em
todos os sentidos, e às 13 horas voltam ao Pico do Azevedo, para o
almoço
Daí
a pouco aparece o automóvel que conduzia o Sr. General Carmona, e sua
esposa, que haviam saído de Mossâmedes às 11 e meia. O automóvel
encontrou uma gazela que o Sr. Presidente encontrara no trajecto,
matando-a com um tiro certeiro no coração, dado a mais de 50 metros e
com o automóvel em movimento, o que foi aplaudido por todos os
presentes.
O resultado da caçada do Presidente Carmona
O
almoço decorreu com a maior alegria e à-vontade. Conversando com
familiaridade, o Sr. General Carmona inquiria de todos acerca dos
princípios da caçada. A um brinde do Sr. Eduardo Torres, felicitando-o
pelo belo tiro certeiro, o Sr. General Carmona respondeu
espirituosamente, dizendo que para não envergonhar os caçadores saira
mais tarde, mas uma gazela, teimosamente, viera postar-se na trajectória
da bala, sacrificando-se à sua glória de caçador. A assistência
levantou três calorosos «vivas», ao Sr. Presidente da República.
Balanço da caçada: 8 cabras, 6
guelengues. 1 avestruz e uma «tua» abatida por um tiro do sr. dr. José
Saldanha, secretário do Sr. Ministro das Colónias. O regresso a
Mossâmedes, da qual se estava a cerda de 70 quilómetros, fez-se depois
das 16 horas. Foi então digna de ver-se a competição dos carros, como
numa grande corrida em enorme pista, todos procurando atingir primeiro o
carro do Sr. Presidente da República, ao qual formaram por fim um
grande séquito até perto da cidade. O Sr. Presidente da República, com
um tiro certeiro, abatera outra gazela. Um magnífico fecho da caçada , -
escreveram os jornalistas:
À
entrada da cidade, próximo do seu acampamento, encontravam-se os
cavaleiros cuanhamas, que, compondo alas, aguardam o automóvel
presidencial, acompanhando-o depois, no meio de ruidosas aclamações.
Todos os outros indígenas dançaram à passagem, dando «vivas» e saudando
calorosamente o Chefe do Estado, que, descendo do automóvel com a sua
esposa, se acercou das pretas, risonho, afável.
A
Senhora de Fragoso Carmona, o Sr. Ministro das Colónias, visitaram,
antes de deixarem Mossâmedes, os acampamentos indígenas, onde as
mulheres lhes ofereceram pulseiras, retribuindo generosamente as
ilustres senhoras, o que às presenteadas causou grande alegria.
Apesar
do Sr. Presidente da República se ter ausentado para o deserto, na
cidade continuaram sempre no meio do maior interesse e entusiasmo, as
festas em sua honra.
Assim, à tarde, realizaram-se na Avenida Marginal várias diversões que estiveram muito concorridas, vendo-se em grande número, crianças que vestiam trajos regionais portugueses.(1)
À
noite percorreu a cidade, que continuou a iluminar, uma deslumbrante
marcha «aux flambeaux», que, dirigindo-se ao Palácio do Governo, ali
saudou o Chefe do Estado, principalmente quando sua excelência apareceu
na varanda a agradecer.
O
Sr. Ministro das Colónias, que se encontrava ao lado do Sr. Presidente
da República, foi também na ocasião vivamente aclamado.
12 de Agosto
O
embarque do Sr. Presidente da República para o Lobito estava marcado
para as dez horas. Já muito antes daquela hora na ponte-cais e nas
proximidades comprimia-se a concorrência. Estava triste o dia, sem sol.
Não se tratava duma despedida, depois de dois dias de grande alegria,
duma animação como nunca a cidade ali conhecera. Estão as Escolas, -
alunos, mestres e estandartes em duas filas; os estudantes do liceu da
Huila, os rapazes da Escola de Pesca; o elemento oficial, figuras
notáveis da colónia; a guarda de honra; duas companhias de Infantaria
Indígena. A multidão é cada vez mais densa. A mocidade escolar solta
diversos «vivas» patrióticos: a Portugal, ao Chefe do Estado, a Salazar,
ao Ministro das Colónias…
11 horas e meia.
Morteiros
estalando no ar anunciam a saída do Senhor Presidente da República do
Palácio do Governo. Ao chegar junto das crianças das escolas, o Sr.
General Carmona, saindo do automóvel, passou a pé entre elas, que
«vivaram» com calor.

O
Sr. General Carmona afaga-as e despede-se dos professores. Tornando ao
automóvel que o vai levar ao ponto do embarque, pelo caminho fora as
aclamações não cessam. Um toque de sentido. Os soldados perfilam-se. É o
Sr. Presidente que chega. Às vozes do comando os soldados apresentam
armas. Segue-se a cerimónia da revista à guarda de honra, finda a qual o
Chefe do Estado se despede dos oficiais. A multidão aclama sempre. A
emoção da despedida a todos toma. E é no meio de uma multidão compacta,
carinhosa, que expande a sua saudade, que o Sr. Presidente da República
se dirige para a ponte, onde muitas senhoras compareceram, também para
apresentar as suas despedidas às esposas dos Srs. General Carmona e Dr.
Vieira Machado.
O
Sr. Presidenta da República aperta a mão aos vereadores de Mossâmedes,
aos magistrados, aos representantes de associações e organismos e
funcionalismo.Depois, num gesto gentilíssimo, a todas as senhoras
presentes agradecendo assim o carinho com que o receberam e a sua
esposa. Acompanhado pelos Srs. Ministro das Colónias, governador geral e
governador da província, embarca em seguida no «gasolina» qie iça
imediatamente o pavilhão presidencial. O «República» salva. Dos barcos
ancorados soltam-se também saudações:

Recebidos
a bordo, o Sr. Presidente da República, o Sr Ministro das Colónias, e
pessoas da sua comitiva, logo o Angola levantava ferro e começava a
afastar-se.. E desaparecia, por fim, no rumo do Lobito.»
Outra reportagem da época...
«....Os que vamos a bordo do «Angola», os que mais de perto convivemos com o Chefe sentimos de cada vez que as obrigações do cargo o obrigam a ficar em terra, penosa saudade. Quando
Ele sai, - o barco parece maior, mais vazio. Aqui em Mossâmedes há
três dias que só o vemos na rua - nas recepções, nos actos oficiais. Na
hora do regresso, ao recomeçar da jornada, vamos todos esperá-lo ao
«deck». Está lá sempre a guarda de honra - um grupo selecto de aprumados marinheiros. Mas as nossas palmas, que o Presidente retribui com generosos apertos de mão, são cada vez mais prolongadas e sonoras.
É como se saudassemos um Chefe da familia, um ente muito querido e
muito amado. Portugal , que pela primeira vez mandou às colónias o Chefe
da Nação Não há, a este respeito, duas opiniões diferentes. Os efeitos
desta visita, nacional e internacionalmente, já se fazem
sentir. Rck, o alegre camarada alemão, que trabalha dia e noite
coligindo toda a espécie de documentos, diz-nos amiúde: «A África é bem
vossa». Ele vê, ele ouve, e como sabe ver e ouvir -- compreende.
O
Presidente em Angola não cativou só os brancos-- que vivem na saudade
de Portugal distante, que desta rica e vasta província estão a fazer um
novo e maior Portugal
Os
negros, os pretos, que distingue com o seu olhar inteligente e bondoso,
com o seu sorriso iluminado e claro, adoram-no. Far-se-iam matar por
ele. A tropa indígena, a tropa de África -- milhares de soldados -- é que lhes presta honras, é que vela por ele. E nunca o Presidente esteve tam carinhosamente guardado.
--Branco é bom! Branco é bom!
E nesta frase simples, espontânea, muito do coração, o preto diz quanto lhe vai na alma, o preto, que bate palmas como uma criança, diz quanto quer dizer."
"...Das
comemorações de Mossâmedes, a bela cidade do extremo sul de Angola,
dolorosa conquista à aridez do deserto, focaremos hoje a festa que o
Presidente ofereceu às crianças da cidade e da Huila -- e, ainda, o
crepitante e estranho desfilar
dos indígenas. São dois acontecimentos memoráveis, dois acontecimentos
que ficarão na história da cidade enquanto Portugal existir.
Um desfile de crianças brancas, na Metrópole, é vulgar,
e talvez, porque temos dois filhos, nunca os vemos sem emoção. Mas um
desfile desses em Moçâmedes, a dois passos do calcinante Kalaari tem
cambiantes que se não descrevem -- porque apenas se sentem. Sim, também
aqui desfilaram para cima de mil crianças, as meninas e os meninos
vestidos de roupas brancas, sapatinhos brancos, cabeleiras bem cuidadas
e bem penteadas. Vimo-los de todas as idades -- e quase todos nascidos
em Angola. As mães, que se reviam nelas, extaticamente tinham-lhes dado,
para que saudassem o Sr Presidente, pequeninas bandeiras com as cores
nacionais. O desfile demorou uma hora larga. Tanto menino -- tanta
menina! Nem um só faltou à parada. Nem um só deixou de saudar o Chefe
-- saudando a Pátria-Mãe. E, como eles gritavam. Como a saudade
despertara neles a mágua instintiva da ausência!
Pequeninos
rebentos em botão de Portugal Novo . Passaram sob flores, entre
aplaudos enternecidos. Não se viam olhos enxutos. O Presidente e a
esposa, comovidíssimos,
beijavam-nos, um a um, com uma boa palavra, com um lindo brinquedo. O
Ministro das Colónias e a esposa, D. Cesaltina Costa e o marido,
colaboraram na obra meritória, edificante, carinhosa. Não houve menino
por mais pobrezinho e humilde que não tivesse o seu bonito -- um rico bonito -- comprado
em Lisboa por muitas dezenas de contos. Portugal não esquecia os
brancos que não o esqueciam. E os pais, chorando, exultavam com os
filhos:
--Viva o Chefe da Nação!
Doidas
de entusiasmo, as crianças cantavam a «Portuguesa». As suas vozitas
flébeis subiam no espaço num canto de esperança e de resgate. E a festa
continuou pela tarde fora. Houve uma merenda, a banda indígena tocou,
fizeram-se roda à boa moda das nossas províncias. E o Presidente,
encantado, lembrando-se certamente dos seus netinhos, que por bem de
Portugal não vê há tantas semanas deixou-se ficar entre eles, entre os
pequenos, em conversas demoradas e enternecedoras, prendendo-os e
prendendo-se. O coração, para os Portugueses, é tudo!
"...A
tarde de hoje, forma, com a tarde de ontem, violento contraste. Ao
desfile dos brancos -- crianças a sorrir para a vida -- sucedeu o
desfile dos negros, indígenas do Lubango e do Cunene, quipungos,
cuamatos, cuanhamas, evales, mahumbes, andubos, quacas, cacondas,
mucorecos, quilengues...
À frente, aprumada,
a banda indígena. Depois os contingentes militares negros --pés
descalços, cofiós vermelhos, fardas bem limpas, passo marcial e
decisivo. Sob o céu
plúmbeo, pesado, sem réstea de sol, os soldados caminham
prasenteiramente, numa saudação à Pátria, onde há vida, alegria, emoção.
A farda que envergam orgulhosamente, emancipou-os, aproximou-os do branco. Falam Português, muitos deles escrevem na nossa língua, lavam-se, repudiam baixas superstições -- e sonham com Portugal.
Uma
grande clareira -- e inicia-se o desfile das tribus. Abrem o longo e
impressionante cortejo, o mais bizarro e estranho de quantos temos visto
-- os valorosos cavaleiros cuanhamas. Nem selas, nem esporas. Pernas
nuas, agarrando, guiando, conduzindo as montadas -- pernas e torsos nus.
Na cabeça, de um negro cintilante, largos chapéus castanhos. À
cintura, curtos e delgados punhais. Passam com estrépito, soltando
gritos guerreiros. Os cavalos, de boa estampa, não são ferrados. Frente
à Tribuna do Presidente, os seus clamores redobram. A multidão branca
aplaude.
Veêm-se
sobas e sobetas, de fatos brancos agaloados a verde ou vermelho, pés
muito lustrosos, comandando as danças mais estranhas que possam
imaginar-se. A rainha Galinaxo, arrasta, num ar cansado, a sua túnica de
seda, insensivel
aos aplausos. Interessa, pela flexibilidades dos bustos e pela harmonia
das linhas, à corte de raparigas que a segue. Muitas são virgens. Vão
quási nuas. Todo o seu luxo está nos penteados -- fantasias macabras que
os cabeleireiros de Paris ainda não sonharam. Os corpos, untados de
azeite e tacula, tomaram um tom acobreado, quási rubro. São mulheres
serpentes, demoníacas mulheres de uma beleza fatal, perigosíssima, capaz de tentar o mais santo dos homens.
Há-as
de cabelo inteiramente rapado, há-as ainda com cabeleiras arritmicas e
assimétricas, há-as que usam inacreditáveis «crochés» -- numa policromia
arbitrária, sem leis possíveis. Algumas escondem as pernas altas sob
apertadas voltas de arame amarelo, outras enfeitam-se com conchas e
búzios. A maior parte caminha em semi-nudez, com um simples «cache
sexe» exibindo o torço com garridice e orgulho. Rapazes e velhos
confundem-se com as mulheres . Tem o mesmo riso infantil, o mesmo passo
incerto, a mesma exuberante alegria. Na indumentária -- todos se
parecem. Colares e brincos -- quase todos usam. Só diferem na maneira de
mostrar a sua satisfação , na maneira de saudar Muene Puto.
Se uns dançam ao som
do batuque, com reverências cortesanescas, outros saltam como gorilas,
outros ainda guincham como macacos, os terceiros imitam o cantar das
aves da selva. As tribus do Lubango, mais silenciosas e calmas,
habituadas já à vida pastoril, passam, agitando bandeiras. Neste desfile
imenso de tribus vindas de toda a Huíla, o que mais impressiona é o
respeito que todos mostram por Portugal. A bandeira de Portugal vai
sempre à frente de cada tribu. E é sempre um rei ou um príncipe, uma
rainha ou uma princesa, que a segura. Ai de quem a desrespeitar! Estes
pretos semi-bárbaros têm ritos e leis de que são escravos. Portugal é de
há muito, uma das suas leis maiores -- o seu maior rito. E Portugal,
para eles, sempre que o chefe não está, é aquela bandeira a sua, a nossa
bandeira.
Na
tarde que morre como nasceu, sem sol -- pesada de nuvens pardas e
baixas -- o desfile continua. Não há, entre os que o veêm, a paleta de
um Goya -- o génio ultra-satânico de um Beaudelaire. Exteriormente -- é
um mundo de gnomos, animado aqui e ali por um ou outro busto sensual
de mulheres. Os efebos, de formas apolíneas são muitos. Os velhos,
cansados, de barbas brancas, ainda mais. Aquilo prende, excita,
entristece, alucina. Penalizam os corpos, mirrados, secos, torsos,
esqueléticos, a tremer de frio. O preto não se resguarda, não conhece o
mais elementar dos agasalhos, as mais elementares regras de higiene. Os
mucubais, para se defenderem da nortada, embrulham-se na casca dos
imbondeiros, os gigantes da flora africana. Formam «toilettes»
irrisórias, inverosímeis. Muitos deles, a completar o quadro, põe na
cabeça solideus. São os mais valentes, os mais decididos, os que vivem ainda na pura tradição gentílica...
"...O desfile acaba quase noite. A rainha Galinaxo, já sorridente, recebe valiosos presentes do Chefe do Estado. Sobas e sobetas
são também premiados. Uma grande alegria aquece aqueles corpos. A
gritaria cresce na noite que se adensa. O acampamento, à porta do
deserto, movimenta-se como colossal cidade. Repetem-se os batuques
estridentes, clamorosos. Um quibala faz soar o quissange --
melancolicamente. Mas o batuque, de desnalgamentos sensuais, domina,
vence, arrasta tudo. Esta febre de luxúria consome-nos, devora-nos. É
um quadro novo, um quadro que talvez não voltemos a ver. Ficamos na
tentação da terra e desta enorme e improvisada senzala. Outros camaradas
precedem , ou seguem, o nosso exemplo. As damas de Galinaxo, lascivas e
sensuais, querem beber. Beber e fumar. A noite é de festa, festa
grande, festa rija. Dá-se-lhes de beber, dá-se-lhes de fumar. Canta-se,
dança-se, escuta-se o batuque, ouve-se o tom covo do n'dongo.
Noite alta, já com os primeiros alvores matutinos, reentramos no
«Angola». Assaltam-nos monstruosas visões. E, tontos de sono e de
fadiga, esmagados por emoções, tam contrárias e tam profundas, duvidámos
do que vimos, do que ouvimos -- duvidámos de nós próprios. Será certo
que só agora começamos a ver
(...)
"...Lobito,
13 de Agosto. Deixámos Mossâmedes ontem, a meio da manhã, num clarão de
apoteose. A cidade piscatória, a cidade que agrupa o homem do mar, o
homem da montanha
e o homem da planície, pedaço de terra arrancada ao deserto, caldeada
em sangue e em mil sacrifícios, não queria seprar-se do Presidente.
Acompanhou-o ao cais, entre saudações frementes, hinos de esperança,
hossanas de vitória. E quando o gasolina do porto cortou as águas em direcção ao Angola -- marejaram-se de lágrimas todos os olhos.
Os
pequeninos, as crianças que o Chefe do Estado e a Senhora Fragoso
Carmona, tam carinhosamente trataram, na mais linda das festas a que
temos assistido, é que davam mais «palmas», é que gritavam mais
«vivas». E os seus lencitos acenados por mãos débeis, ficaram muito
tempo no cais, ao longo da restinga, num inocente e saudoso adeus. Não poderia encontrar maior nem melhor representante comemorações Mossâmedes a bela cidade do extremo sul de Angola
Fim da transcrição de textos sobre a visita do Presidente Carmona a Moçâmedes.
FONTES:
VISITA A ANGOLA
-Esta reportagem foi efectuada a partir de textos e fotos retirados do Boletim Geral das Colónias . XIV - 162 [Número especial dedicado à viagem de S.
Ex.ª o Presidente da República a S. Tomé e Príncipe e a Angola (I)]
PORTUGAL. Agência Geral das Colónias. Nº 162 - Vol. XIV, 1938, 684 pags.
-Os discursos foram propositadamente omitidos porque tornariam o texto demasiado alongado
Respeite este trabalho! Esta página é de leitura e estudo, dactilografada pela autora deste
blog na íntegra a partir de textos originais, excepto os discursos que o tornariam demasiado longo. Inclui referências às fontes (oficiais), pelo que nada daqui deverá ser retirado sem que seja respeitado o mesmo princípio.