A tradicional cerimónia do banho de iniciação. A receber o banho, Rui Duarte de Mendonça Torres, à esq. Santos César. Foto gentilmente cedida por Mélita Parreira da Cruz
Tenho por norma, não colocar aqui fotos
individuais, mas apenas de grupos, mas não consegui resistir à
publicação desta foto que representa a primeira mulher em toda a Angola,
a tirar o brevet no ano de 1938, portanto uma figura pioneira, numa
época em que a mulher portuguesa, até então condicionada a determinadas
tarefas e papéis sociais, começava a alargar espaços, na senda da sua
emancipação... Trata-se de Júlia Brito Pestana (Julinha), preparando-se para levantar
vôo, pilotando uma avioneta do Aero Club de Moçâmedes, nos princípios
dos anos 50. Ainda se pode ler, Mossâmedes, escrito com ss. Julinha teve
como instrutor, Guilherme de Carvalho que era também piloto da DTA
(Divisão de Transportes Aéreos). Foto do livro «Era uma vez Angola» de
Paulo Salvador.

Elementos da Escola de pilotagem de Moçâmedes. Entre outros reconheço: Em cima e da esq. para a dt: Jaime Lúcio Ferreira dos Santos, ?, José Luís Pinto, Domingos Alves
Figueiras, Ferreira da Silva (instrutor), ?, Guilherme de Almeida, ?,
Tiago Costa e Bento Padrão. Embaixo: ?,?, Armando Guedes Duarte (Mandinho), Alfredo Esteves, ?;?;?;?.
Foto do livro de Mário António Guedes da Silva: «Memórias do Desporto de Moçâmedes/Angola».
Em cima, da esq. para a dt. Bento Padrão, ? , ?, Jaime Lúcio
dos Santos, Rui Maqueiro, Rui de Mendonça Torres, ?, ?, ?, Armando
Martins, António Parreira da Cruz. Em baixo:?, ?, Matos,?, ?, ?,Fragoso, Armando Guedes Duarte/Mandinho (mais tarde instrutor) João Carlos Guedes Duarte (Jinho). Foto gentilmente cedida por Mélita Parreira da Cruz (à dt.).
Aéro Clube de Moçâmedes : Matos, Alfredo Esteves, José Luís Pinto, ?, ?,', Dr Carneiro, Tiago Costa, Rui (maqueiro), Orlando Teixeira da Silva, ?, Bento Padrão e Domingos Figueiras. Embaixo: ?, Armandinho Duarte, Fragoso,, Marilia Cavaco, ?, Fernanda Almeida, Jaime Lucio Santos e ?.
Recorte do Jornal O Namibe
A aviação evoluiu ao longo do século XX em várias vertentes, humanitária, desportiva, comercial, e até militar... Após
1920 a aviação ligeira teve primordial importância no desenvolvimento
dos territórios menos evoluídos, mormente em Angola, e consequentemente
no Distrito de Moçâmedes, nos âmbitos humanitário e desportivo.
Foi em 14 de Março de 1923 que se deu a 1ª ligação aérea em monomotor entre as cidades de angolanas do Huambo, Benguela, Moçâmedes e
Lubango , acontecimento a que a imprensa na altura fez grande eco, por
ser considerado um feito arrojado e espectacular.
A celeridade com que
evoluíram os rumos da navegação aérea civil, levou à criação, em Luanda, do
Aero Clube de Angola, em Maio de 1936, seguindo-se a criação de várias
delegações na principais cidades da colónia, entre as quais a de
Moçâmedes.
O Aero Clube de Moçâmedes, como todos os aero clubes, surgiu na sequência da criação do Aero Clube de Angola, em Maio de 1936, como clube associativo sem fins lucrativos, considerado instituição de utilidade pública, dedicado o ensino, à
prática, e à divulgação da aeronavegação, através de «escolas de
pilotagem», que se ofereciam gratuitamente, quando
disponíveis, para completarem
determinado número de horas de vôo, incentivando
a tirarem o "brevet".
A primeira avionete, à qual foi dado o nome de "Moçâmedes" foi adquirida por subscrição pública, e o seu baptismo decorreu no campo de aviação onde começava a crescer sólida construção que mais tarde passou à posse do Estado, e a DTA transformou num magnifico angar, considerado época dos melhores da colónia. Existia então uma pequena pista natural no plateau de Moçâmedes. situado a cerca de 2 km da cidade (o campo de aviação),
um pouco acima do local conhecido por «Furnas de Santo António», onde
se acreditava poder-se aterrar e levantar vôo em segurança fosse
Inverno ou Verão, dado a consistência do piso, por ser imune às lamas.
Era considerada ainda uma aventura, colocar naquela época um
piloto no «cockpit» de um pequeno aparelho, mas quando isso acontecia em
viagens de pequeno curso, as pistas ficavam inundadas de curiosos que os
ia aplaudir.
No início era o Aero Clube de Moçâmedes que dispensava a sua avionete,
alugando-a,
quando havia necessidade, por exemplo, de fazer deslocar um técnico a
uma localidade mais distante ou de difícil acesso, no interior ou
litoral do distrito.

O Aero Clube de Moçâmedes levava a efeito «escolas de pilotagem», sendo os seus cursos bastante frequentados, tendo formado 16 aviadores, 6 dos quais brevetados, alguns dos quais se tornaram profissionais, nesse tempo de euforia dos
pilotos-amadores.
A necessidade de formação de novos pilotos para reforço dos pequenos
quadros já existentes, levou à aprovação, em 20 de Março de 1940, e promulgação de um
«Regulamento das Escolas de Pilotagem do Aero-Clube de Angola»,
abrangendo as suas delegações. Antes porém, em
1938, foi uma mulher a consegui-lo em Angola: Júlia de Brito Pestana,
tendo como seu seu instrutor o piloto Guilherme de Carvalho, também ao serviço da DTA, Divisão dos Transportes Aéreos. Cedo
a aviadora se tornou conhecida pelas exibições que fazia aos fins de
semana, naquele pedaço de deserto infinito, proezas que incluíam vôos
rasantes sobre o hangar do aeroporto, que eram efusivamente aplaudidos.
No âmbito desportivo muitos foram os rallies aéreos organizados pelo Aero Clube de Moçâmedes nas décadas de 50 e 60, em que participaram os brevetados da sua Escola de Pilotagem, provas essas que se revestiam de especial importância, na medida em que permitiam potenciar as qualidades dos respectivos pilotos.
Os Aero clubes, também se dedicaram ao desenvolvimento da aviação voltada para o
turismo e para o desporto. Neste aspecto, muitos foram
os rallies aéreos organizados pelo Aero Clube de Moçâmedes nas décadas
de 50 e 60, em que participaram os brevetados da sua Escola de Pilotagem,
provas essas que se revestiam de especial importância, na medida em que
permitiam potenciar as qualidades dos respectivos pilotos.
O Aero Clube de Moçâmedes teve a sua 1ª sede num edifício térreo, de traça antiga portuguesa, que
já não existe, e que ficava situado na Rua da Praia do Bonfim, na esquina com a Praça Leal (Praça de Táxis), onde na década de 1960 foi erguido o primeiro edifício de grande porte da cidade, propriedade de José Alves. Possuía um grande salão de festas que foi,
desde a sua fundação e até aos finais dos anos 1940, o local
privilegiado da cidade, onde a população se divertia com bailes e
matinées dançantes, bailes de máscaras pelo Carnaval, Reveillons, etc.
Durante a semana dirigiam-se para a sede do Aero Clube, após o horário
de trabalho, associados, aficcionados da aero-navegação, e muitos
elementos masculinos da população, que ali ficavam até à hora do jantar,
matando o tempo a jogar ao quino, às cartas, incluso o "pocker" a dinheiro (tradicional "batota"), ou matando o tempo em simples e animada cavaqueira.
Com a chegada dos Táxis Aéreos do Sul
de Angola, estes tiveram um papel importante no auxilio às populações, que
viviam em pequenas povoações, quer do litoral quer no interior, e muitos
foram os
pilotos que colaboraram
activamente na prestação de serviço social ao nível de socorros
realizados em todo o distrito de Moçâmedes, desde a Lucira à Baía dos Tigres, sendo o serviço prestado por
todas as Delegações, mormente a de Moçâmedes, considerados de utilidade
pública. Também coube ao Aero Clube de Moçâmedes a vigilância da costa no período crítico mas curto do início da luta armada contra os movimentos de libertação, em 1961, em que corriam "boatos" de que a costa estava sendo visitada por submarinos russos.
Destacam-se os nomes dos pilotos lançados pela Escola de Pilotagem da Delegação de Moçâmedes do Aero Clube de Angola, bem como dos seus instrutores, muitos dos quais prestaram relevantes serviços à causa da aviação:
1. Presidente João Marques Pequito, que durante longos anos liderou o Aero Clube de Moçâmedes
2. Pilotos pioneiros: Júlia de Brito Pestana, (1938-1945), António Augusto Martins Cristão (1939, brevetado em 1945), António de Almeida Varela (1939), Jorge Branquinho Arruda (1939), Waldemar Gama Lobo (1939), Manuel Reis Pires (1939), Mário Ribeiro (1939), Henrique Pessoa (1939), Manuel Carlos Pessoa (1939), José Gomes de Carvalho (1939).
3. Pilotos das décadas seguintes: João Nunes Cunha (John), Pedro Cabral, Eduardo de Brito Pestana, José de Mendonça Teles, João Carlos Guedes Duarte, Armando Guedes Duarte (Mandinho), José Luís Pinto, Jaime Lúcio Ferreira dos Santos, Orlando Teixeira da Silva, Guilherme de Almeida, António Arvela, António Parreira da Cruz, Domingos Alves Figueiras, Alfredo Sales Esteves, Bento Padrão, Tiago Costa
Instrutores: Guilherme de Carvalho, Rosa Maçarico, Ferreira da Silva, João Carlos Guedes Duarte, Armando Guedes Duarte
Assistentes de aeronave: Tito Gouveia, João Firmino Bonvalot
Acrescendo ainda outros nome que de momento me ocorrem: Jacob, Germano, Patrício, Isaías Graça, Manuel dos Santos, Fernando Rodrigues Ferreira, Galvão de Melo, André Correia, todos estes brevetados já após as década de 40 e 50.
Ainda sobre os trabalhos prestados pelo Aero Clube de Moçâmedes, que dispensava a sua avionete,
alugando-a,
quando havia necessidade, por exemplo, de fazer deslocar um técnico a
uma localidade mais distante ou de difícil acesso, no interior ou
litoral do distrito, contava-se que no inicio da década de 1960 foi necessário enviar à Baía dos
Tigres um mecânico para
reparar o motor do sistema de captação de águas vinda da foz do Cunene, e
que foi Guilherme de Almeida, então funcionário do
Banco Pinto & Souto Mayor, que foi levar o irmão do Mário
Cruz, o Bolé, que era então mecânico do Caminho de Ferro de
Moçâmedes. Decorria o vôo, quando a determinada altura do percurso o Bolé
mexeu num dos
botões da avionete e Guilherme de Almeida, aflito, teria dito: Eh
pá, mexeste, agora diz-me lá "of" é aberto ou é fechado?



Uma vez que a matéria aqui abordada proporciona-se aproveito para deixar aqui estas fotos onde se pode ver, entre outros Tito de Gouveia , em 1948, quando da peregrinação da Imagem de Nossa Senhora de Fátima, vinda da Cova da Iria para terras de África.
Aproveito também para lembrar que na época colonial, o Deserto do Namibe, -- no seu ponto mais a norte, não o deserto de
areia mas um deserto com formações deliciosas, mas na zona de transição entre planícies verdejantes a perder de vista e
montes e planícies secas--, foi palco de uma tragédia que fez vibrar a população. Dois jovens, filhos de pessoas conhecidas do Lobito, foram dar uma passeata de avionete e acabaram por ali de despenhar. Sobreviveram durante mais de 30 dias e escreveram um diário, onde relataram a sua experiência até ao dia final. Se tivessem caminhado em direcção ao mar ter-se-iam porventura salvo, mas preferiram ficar junto aos destroços do avião, na esperança de virem a ser localizados - o que só aconteceria muito tempo depois de a morte os ter visitado, apesar das buscas desesperadas e diárias. Isto aconteceu nos primeiros anos da década de 1950.
Ficam mais estas recordações.
Pesquisa e texto de MariaNJardim
Ver também: A aviação civil em Angola – 1938