DA DITOSA TERRA NOSSA AMADA...
TEXTO DE BERNARDINO FREIRE DE FIGUEIREDO ABREU E CASTRO, O DIRECTOR DA 1ª COLÓNIA DE EMIGRANTES FUNDADORES DE MOÇÂMEDES VINDOS DE PERNAMBUCO- BRASIL EM 04 de AGOSTO DE 1849. In Nossa Senhora de Guararapes, publicado ainda em Recife de Pernambuco, 1847:
«Aceita cá de longe o suspiro da mais viva saudade, que te envia o desterrado filho teu. Foi em ti que passei a primavera da vida, que tão rápida se esvaece , que mal se sente! Veiu apoz a estiva quadra que apenas toquei e gozar não pude no solo teu; Malfadada sorte me afugentou de ti, e cá de longe ouço os teus gemidos, que estalar de dor me fazem o coração!... Oh! como me lembro do solar paterno, e aquelles em cujas veas corre o mesmo sangue.
- como os amigos da infância, os folguedos innocentes, os sítios das primeiras impressões!
- como ... os bellos dias, as suas lindas manhãs, em que a vista se recrea..., os ouvidos se afinam...; e em que o olfato se apura pelos esquesitos perfumes... que diffícil fora enumerar!
Dias ditozos! que manso a manso vos evaporastes todos , para mais não volver, e que só deixastes saudades tantas, para onde voaste? Meigos sorrisos que vos agitáveis nos innocentes lábios meus, para onde fugistes? Luz insolente! que brilhavas nos meus puros olhos para onde te ausentaste, que agora ou elles tristes derramam copiosas lágrimas, ou retratam da alma a profunda meditação? Tudo, tudo se esvaneceu, e apenas resta a esperança - esta de todas a mais fiel amiga, a mais constante companheira - esta sim, esta eu cá sinto d'entro da alma...
Saudade,
Saudade, nome melodioso e suave, mas enternecedor! vocábulo sem par! que inveja fazes a tantos povos; os quaes porque te não sentiram, não te souberam exprimir! Ditosa língua que tal expressão possuis...»
...........................................................................................................................................................
Em 1839 Bernardino Freire de Figueiredo Abreu e Castro exilou-se em Pernambuco, Brasil, após o triunfo do liberalismo em Portugal sobre os absolutistas, e a partida de Dom Miguel para o exílio.
Porquê Bernardino absolutista?
Quando jovem universitário Bernardino deixou os estudos em Coimbra para se alistar, como tenente de caçadores, nos voluntários realistas do exército de Dom Miguel, levado pelos princípios e sentimentos de sua família, uma família católica, conservadora e legalista, e pela influência de um parente próximo, general das armas da província.
A verdade é D. Pedro era o legítimo herdeiro do trono, mas com o rei seu pai, D. João VI e a corte, refugiados no Brasil, em consequência das invasões francesas (1808-11), tudo se alterou em termos da legitimidade da sucessão. Com a revolução de 1820 em Portugal, Dom João VI, teve que regressar a Portugal deixando o seu filho mais velho, Dom Pedro, como príncipe regente do Brasil. Em Portugal Dom João VI quis efectivar uma recolonização (volta à condição de colónia) do Brasil, mas os brasileiros, recusaram as imposições do Parlamento português e rapidamente a independência do Brasil aconteceu. Logo a seguir Dom João VI morre, e deputados portugueses exigiram o retorno de Dom Pedro, mas o príncipe regente proclamou a sua permanência no Brasil, voltou costas ao trono em Portugal, e perdeu toda legitimidades para os legalistas. A 09 de Janeiro de 1822, ficou conhecido como o dia do “fico”, e o 07 de Setembro desse ano como o dia em que Dom Pedro proclamou a Independência do Brasil: “É tempo: independência ou morte! Estamos separados de Portugal!”. A seguir, no dia 12 de Outubro de 1822, Dom Pedro foi nomeado imperador do Brasil (1822-1831). Em 1825 Portugal assinou um acordo com a Inglaterra reconhecendo a autonomia política brasileira.
Entretanto no Brasil cresce a impopularidade do imperador, e em 1824, iniciou-se em Pernambuco um movimento contrário a Dom Pedro que rapidamente ganha proporções, sendo castigados violentamente os líderes. A imprensa brasileira subiu de tom contra o Imperador e levou a crescentes agitações populares nas províncias, até que no ano de 1831 Dom Pedro abdicou do trono e retornou a Portugal, onde tal como acontecera a seu pai, depressa faleceu acometido por tuberculose no ano de 1834. Como a monarquia era hereditária, seu filho Pedro de Alcântara, com apenas cinco anos na época, passou ser o herdeiro do trono. Com este facto, findou o Primeiro Reinado no Brasil, iniciando outra fase da história brasileira, o Período Regencial (1831-1840). Brasil e Portugal continuavam nas mãos da mesma família, com Dom Pedro II no Rio de Janeiro e Maria II em Lisboa.
A fase do professorado no Brasil
Quanto a Bernardino, exilado no Brasil, renuncia a toda a actividade política, dedica-se exclusivamente ao ensino no Colégio Pernambucano, regendo as cadeiras de História, Geografia e Latim. Não perdeu o amor aos livros, às letras. Escreveu livros de carácter didáctico, como a História Geral, em seis volumes. O Primeiro volume sobre a “História Sagrada do Antigo Testamento”; o segundo sobre a “História da Vida de Jesus Cristo” e dos Apóstolos, e História dos Judeus desde a dispersão até aos nossos dias “; o terceiro a “ História Antiga e Grega”; o quarto sobre a “História Romana e da Idade Média”, o quinto sobre a “História Moderna”; e o sexto sobre a “História de Portugal e do Brasil”. Mas o erudito professor não se ficou por aqui, escreveu outros livros dos quais destacamos “Nossa Senhora de Guararapes – romance histórico, descritivo, moral e crítico”, que tem por fundo os encontros sangrentos entre portugueses e holandeses, em 1648 e 1649, nos altos montes dos Guararapes, na região do Recife.
A opção por África e a fundação de Moçâmedes
Bernardino impunha-se como condutor de homens, pelas suas qualidades de liderança e iniciativa. Por essa época o Brasil era já um país independente, foi então que cheio de saudades da sua sua pátria escreveu este texto, numa época em que em Pernambuco, as coisas iam bem. Em 1844, na Assembleia Provincial de Pernambuco, propõe-se que “se expulsem da cidade (ou da província) todos os portugueses solteiros”- (E Bernardino era solteiro).
Em 1847 arruaceiros espancaram pelas ruas da cidade “quantos portugueses encontravam ou que supunham tais”. Foram esses espancamentos que o levaram a incentivar seus conterrâneos a fundarem um colónia bem longe dali, onde tremulasse a bandeira portuguesa, e onde todos juntos pudessem em paz viver e trabalhar: MOÇÂMEDES !
Em 1849, tinha Bernardino 40 anos de idade, quando a Tentativa Feliz capitaneada pelo brigue Douro, atravessando o oceano, levou-o e aos 165 companheiros para Moçâmedes, onde teve um papel de relevo nesses momentos primordiais da fundação, e onde acabou os seus dias.
Sabe-se que à chegada houve recepção de boas vindas, discurso oficial pelo governador do distrito na presença dos sobas Mossungo e Giraúl e da maior parte dos colonos. Ficaram alojados em barracões construídos de pau a pique, cobertos de palha e amarrados com mateba ou cordas de cascas de árvores. E que Bernardino seguiu para Luanda no dia seguinte a fim de apresentar cumprimentos ao governador geral, tendo a 21 de Outubro procedido à instalação, no Vale dos Cavaleiros, dos engenhos de açúcar, com cerimónia às 7 da manhã em que foi içada a bandeira portuguesa, na presença do governador do distrito, e com uma salva de 21 tiros, seguida . houve arraial com largada de foguetes, seguida de almoço e jantar em barracas improvisadas.
Bernardino ergueu a sua habitação no Sítio da Bandeira, (designação que ficou na tradição popular), no Vale dos Cavaleiros.
No dia 13 de Outubro foi investido num cargo no Conselho Colonial de Moçâmedes. Interessado em tudo conhecer, tudo avaliar, tudo projectar, fez viagens de estudo, contactou sobas, colaborou com as autoridades,subiu e desceu a Chela, viajou até ao Cunene, este homem da rija têmpera dos "barões assinalados"apostado no
Bernardino ergueu a sua habitação no Sítio da Bandeira, (designação que ficou na tradição popular), no Vale dos Cavaleiros.
No dia 13 de Outubro foi investido num cargo no Conselho Colonial de Moçâmedes. Interessado em tudo conhecer, tudo avaliar, tudo projectar, fez viagens de estudo, contactou sobas, colaborou com as autoridades,subiu e desceu a Chela, viajou até ao Cunene, este homem da rija têmpera dos "barões assinalados"apostado no
Mas a natureza não se compadeceu dos recém-chegados. Uma estiagem de 3 anos secou as terras, perdendo-se todas as sementeiras. A 1ª. colónia luta com falta de tudo, desde alimentos a vestuário. A situação é desesperada. Alguns opinam mudar a colónia e comentam: "Antes fôssemos mortos em terras de Pernambuco, quando estávamos sentados junto às panelas cheias de carne e comíamos pão com fartura, em vez de padecer com fome neste deserto." Bernardino mantém-se firme e lança a máxima: "Vence quem perseverar até ao fim".
O governador do distrito ante a desesperada situação faz um apelo à solidariedade em Luanda e em Benguela, promovido pelas respectivas câmaras municipais. Os víveres, vestuário, dinheiro e outras ofertas chegam finalmente a Moçâmedes. A situação vai normalizando. Em 26 de Novembro de 12950 entra na baía de Moçâmedes um segundo grupo de colonos, trazidos pela Barca Bracarense, chefiada pelo mesmo Brigue Douro. Estes a expensas suas igualmente direccionados para a agricultura em Moçâmedes, e chefiados por José Joaquim da Costa. A pesca foi outro ramo ao qual se dedicaram naquela terras onde cardumes do pescado entravam
O governador do distrito ante a desesperada situação faz um apelo à solidariedade em Luanda e em Benguela, promovido pelas respectivas câmaras municipais. Os víveres, vestuário, dinheiro e outras ofertas chegam finalmente a Moçâmedes. A situação vai normalizando. Em 26 de Novembro de 12950 entra na baía de Moçâmedes um segundo grupo de colonos, trazidos pela Barca Bracarense, chefiada pelo mesmo Brigue Douro. Estes a expensas suas igualmente direccionados para a agricultura em Moçâmedes, e chefiados por José Joaquim da Costa. A pesca foi outro ramo ao qual se dedicaram naquela terras onde cardumes do pescado entravam
baía a dentro e vinham dar à praia. Aprenderam a escalar e a secar o peixe, jogando mãos a deetentores dessa técnica que haviam tabalhado na primeira feitoria de Moçâmedes montada em 1939 pelo olhanense Cardoso Guimarães.
Bernardino orgulha-se destes seus companheiros de colonização, o maior exemplo de perseverança em toda a Província, aqueles a quem ele exortou para que conseguiram vencer as adversidades e o deserto. e nunca desistissem nesses primeiros tempos em que a natureza não se compadeceu dos recém-chegados, com uma estiagem de 3 anos que lhes ressecou as terras, levando à perda as primeiras sementeiras.
O rápido crescimento da povoação é contemplado coma elevação a vila por decreto de 26 de Março de 1855. Em 1857 já existiam 16 pescarias onde trabalham 280 escravos recuperados aos navios negreiros por brigadas inglesas e portuguesas que patrulhavam a costa, após o decreto da abolição do tráfico de escravos que escoava para o Novo Mundo.
Quando no dia 4 de Agosto de 1859, festejaram o 10º aniversário da 1ª colónia já ali havia 83 propriedades agrícolas espalhadas pelas margens do rio Bero, Giraúl, no Bumbo, em S. Nicolau, no Carujamba, no Coroca, e
na Huíla.
O sonho do Barão de Moçâmedes, Luz Soriano e Sá da Bandeira, de fixar populações nas regiões a sul de Benguela tinha se concretizado, graças à liderança forte de Bernardino, que também se empenhou na abolição da escravatura. Bernardino bateu-se e até ganhou alguns inimigos. Escreveu em 1857: "os poucos pretos com quem trabalho, podem hoje ser livres porque continuarão a ser úteis. Eduquei-os com boas maneiras e não com castigos bárbaros e por isso não me fogem e vivem satisfeitos. Não me agrada a distinção entre escravos e libertos, nem a admito na minha fazenda. Todos são agricultores com iguais direitos e obrigações".
Em 1858 foi decretado que dali a 20 anos não poderia haver escravos. Em 1869, foi abolido o estado de escravidão.
Como memória visual de Bernardino resta um quadro a óleo no salão nobre da Câmara Municipal. Até 1975 existia um busto seu implantado sobre uma coluna a meio da Avenida de Moçâmedes ali colocado na d´cada de 1950.
Sabe-se que Bernardino faleceu no dia 14 de Novembro de 1871, aos 62 anos de idade, no regresso de uma viagem a Luanda para onde se tinha deslocado em serviço da comunidade. Desconhece-se o local onde foi sepultado. Outros opinam que se encontra sepultado algures junto a um muro da Quinta dos Cavaleiros, sítio da Bandeira. Não deixou fortuna. Morreu pobre e endividado. Sabe-se também que a Quinta dos Cavaleiros foi assolada por três devastações, e que este homem que todos reconhecemos como o fundador de Moçâmedes, nunca teve o reconhecimento que merece. As autoridades portuguesas não prestaram a homenagem merecida a este homem sério, inteligente, culto, cheio de iniciativa e empreendedor, que não admitia escravos na sua fazenda, que sofreu ainda em vida várias devastações à sua Quinta, e que chegou mesmo a ser ostracizado pelas autoridades da terra.
Mas o povo nunca o esqueceu e lá estava o 04 de Agosto de cada ano para o lembrar. Assim o demonstrava a claque que acorria ao velho campo de futebol de terra batida, no fundo da Avenida quando em uníssono invocava o nome de BER...NAR...DI...NO, BER...NAR...DI...NO, para que a sua alma ajudasse a alcançar a vitória. Vitória que era sempre conseguida nas competições interselecções .
A história da vida de Bernardino não pode nem deve ficar perdida em meio a um conjunto de papéis
imprestáveis nas prateleiras de algum arquivo oficial, ou das colecções de alfarrabistas.
Gostaríamos de acreditar que escrevendo e publicando sobre Bernardino Freire de Figueiredo Abreu e Castro não estaremos a fazê-lo em vão, e que um dia a História possa trazer de volta o seu nome
como exemplo de fé, inteligência, perseverança, dignidade, honradez, trabalho, iniciativa, fidelidade à palavra dada, qualidades de que a nossa humanidade tanto carece.
MariaNJardim