Foto: Tito Beires de Gouveia (pai), pessoa muito conhecida e estimada em Moçâmedes, posa para a posteridade nos rochedos de Tchamalinde (?), tendo à sua esq. um Cuissi ou Mucuisse, autóctone da região
Dixon Ferreira junto de um rino que tinha acabado de
abater
Foi no primeiro quartel do século XX, num tempo em que as terras do Iona eram ainda pouco conhecidas dos portugueses, as distâncias eram enormes, o acesso difícil, foi então que a atracção pela caça levou até elas os primeiros brancos, através de picadas improvisadas, nos transportes existentes que exigiam do condutor grande perícia, já que cada digressão se transformava numa verdadeira aventura. Água, gasolina, rancho, peças sobressalentes, prontos socorros que incluíam quinino, soro antídoto, etc, eram condições sem as quais nenhuma viagem se podia fazer. E como não havia hipótese de, a partir do deserto, comunicar com as famílias, convinha não exceder o tempo programado para não as atormentar, se o regresso tardasse. E o mesmo em relação à durabilidade dos mantimentos. As dificuldades eram tantas que poucos caçadores se aventuravam a penetrá-las, excepto uma elite de verdadeiros profissionais, bem conhecida em Moçâmedes, que dispunham de tempo e de algumas possibilidades financeiras para tal, entre os quais, Vasco Ferreira, Teodósio Cabral, Tito Beires de Gouveia, Matos Mendes, e poucos mais. Por vezes aderiam à aventura um ou outro administrativo interessado em conhecer melhor a área da sua jurisdição, mas era raro que tal acontecesse.
O traçado da
primeira picada para transportes rodoviários entre Moçâmedes, a foz do
Cunene e a Baía dos Tigres, atravessando terras do Iona, foi feito apenas
em 1928, por uma missão chefiada por Bobela da Mota,
mas o trabalho era dirigido apenas para o terreno mais aconselhável, e só mais
tarde a referida picada foi seguida e corrigida, em parte, por uma outra missão
chefiada pelo Administrador Cid, de Porto Alexandre, conforme consta em
relatório nos Annais Pecuários de Angola, de 1930.
A sul e
sudoeste do Iona (1) encontram-se vários maciços montanhosos. entre quais
o Tchamalinde, um dos mais propalados pela imprensa, na década de
1960, por terem sido observados fenómenos sísmicos naquela região. A
imprensa chegou mesmo a difundir a ideia de um vulcão no Iona, mas acabou
desmentindo. Aconteciam de facto desabamentos de rocha que se desprendiam
das escarpas e dos picos e se despenhavam a centenas de metros nas
gargantas e vales, seguidos de estrondoso ruído. Mas para além destes fenómenos,
Tchamalinde foi de facto amplamente noticiado na imprensa, em Angola,
pela inacessibilidade do maciço, tido como perigoso em alguns pontos, e
noutros, por ser impossível de transpor. Era difícil a penetração nestas
regiões montanhosas, que apenas nas últimas décadas da colonização foram
penetradas por uma ou outra autoridade, por algum caçador atraído na época pela
abundância de elefantes, rinos e outras espécies.(2)
Dizia-se
também que os habitantes dessas serranias eram pigmeus, gente de pequena
estatura, mas este dito acabou também desmentido. Na verdade o povo negro que
habitava as serranias de Tchamalinde, do sub-grupo dos Cuissi-Tua,
também chamados de Mu-tuas, era de estatura pouco desenvolvida dada
as suas condições de suas vidas, pois viviam como se vivia na Idade da Pedra.
Sobre este
povo, Cecílio Moreira relata no seu livro "Baía dos Tigres", Cap XIV,
sob o título "O fugitivo do Iona", que em 1934 as autoridades tiveram
conhecimento que nos penhascos de Tchamalinde vivia
clandestinamente um branco estrangeiro, conhecido pelo " homem
branco da casa de barro", que se refugiou no seio dos Cuissi-Tua, e
cuja identidade e actividades eram desconhecidas, sendo levadas a
tomar as precauções necessárias, no posto administrativo do Parque Nacional de
Caça Iona, para esclarecimento daquilo que efectivamente se passava.
Por se
tratar de uma região abundante em caça e espécies raras, a dada
altura, naquele mesmo ano, um funcionário administrativo de nome Bartolomeu de
Paiva, juntamente com o caçador Teodósio Cabral e mais dois
europeus, enquanto exploravam junto do Cambeno, encontraram um estrangeiro
clandestino que estava transformado num verdadeiro "homem da selva",
com hábitos e costumes dos Mu-tuas, que haviam consentido que ele
vivesse no seio da sua tribo, onde se manteve acompanhado de uma mestiça,
que lhe dera uma menina de olhos azuis e cabelos louros. Seu nome era
Daniel Dixon. Tinha fugido às leis do seu país para não ser
condenado por uma falta que cometera, e preferindo afastar-se da civilização foi para
ali viver no seio daquela tribo, onde se manteve por longos 11 anos. Dixon
fora funcionário no Sudoeste Africano, talvez súbdito britânico, e no decurso
da sua vida em meio àquela tribo tornara-se admirado e querido.
Bartolomeu
de Paiva e o caçador
Teodósio Cabral ficaram impressionados ao verem aquele homem levando um tipo de vida selvagem no seio daquela tribo primitiva, dispondo
apenas de uma casa rudimentar feita de pedra e barro , embrenhado numa agricultura
rudimentar que não era mais que um ténue sinal de civilização. Era conhecido na
tribo pelo "branco da casa de barro" e acabou por se naturalizar
português com nome de Dixon Ferreira. Ferreira porquè?
O conhecido
caçador Vasco Ferreira, de Moçâmedes, que pertencia a uma família
ligada a empresas agrícolas e comerciais tornou-se amigo de Dixon,
desde que o fugitivo fora descoberto, após ter descido a montanha. Teria
sido essa amizade que levou Daniel Dixon a adoptar o nome e apelido Dixon
Ferreira? Acredita-se
que sim!
Cecílio
Moreira procurou saber a verdade sobre o caso do "branco da casa de
barro", o que o levara de facto a fugir para ali palmilhando
mais de 2.500 quilómetros por terras inóspitas, em busca de um lugar
seguro que veio encontrar naquele maciço. A que ficou a dever-se o sigilo da
autoridade? O súbdito britânico (?) Dixon, que tinha um filho e duas filhas,
onde estes estavam? Quem era? Porque não o repatriaram? O jornal havia dado a notícia
mas nada esclarecera. Cecílio Moreira contactou velhos amigos de Dixon,
comerciantes isolados na selva, consultou livros de assentos em repartições,
vasculhou velhos arquivos, consultou documentos oficiais,
deslocou-se ao sudoeste africano, e acabou com um maior conhecimento
sobre o " branco da casa de barro" das região montanhosa do
maciço de Tchamalinde, mas mesmo assim nunca conseguiu saber a sua verdadeira
naturalidade. Inglaterra, talvez, e não Cabo como consta dos assentos
existentes no Tribunal Judicial da Comarca de Moçâmedes, onde sequer existe
menção que Dixon tenha ido para a União Sul Africana em serviço oficial como
funcionário.
Não soube ao
certo a sua idade, mas soube que quando se acoitou junto dos Mu-tuas já
não era muito novo. Quanto às motivações que o levaram para ali, Matos
Mendes e Bartolomeu Paiva tinham a sua opinião: dada a situação, as
autoridades portuguesas não fizeram grandes interrogatórios, aceitaram a versão
que ele mesmo lhes deu da sua presença ali. Estes dois companheiros
afirmavam que Dixon, de viva voz, nunca lhes tinha revelado o seu
segredo, talvez porque eles também não o instaram para isso, mas enquanto no
mato, sentados à volta da fogueira, nas longas noites de cacimbo, tiveram
conhecimento que a sua fuga para Angola estava ligada a uma desavença entre ele
e o chefe da repartição onde trabalhava, no Cabo, que teria dado lugar a uma
luta violenta, falta que era severamente punida pelas leis inglesas, na sua
antiga colónia, punição que considerava injusta e que o teria levado a
embrenhar-se na floresta até encontrar refúgio seguro. Dixon tinha trabalhado
no Sudoeste, em Sesfontein e no Kookoveld, sabia portanto, quando abandonou o
Cabo que encontraria refúgio fácil naquelas montanhas. Ele devia saber que as
autoridades portuguesas não apareciam por ali, naquele maçiço, e naquelas
regiões inexpugnáveis. Contactou a tribo dos Mu-tuas que o aceitou, e
mais tempo teria ali ficado no seu secreto esconderijo, se ele mesmo não
tivesse descido naquele dia do cimo das cerranias para admirar
as chanas verdejantes, os animais selvagens no seu pastar pachorrento sem
serem incomodados, afastando-se daqueles amigos que o acolheram em TCHAMALINDE,
local onde podia viver e morrer em paz, ter sua família e os Mu-tua.
O fino
trato que os dois caçadores moçamedenses viram em Dixon impressionou-os, e deve
ter impressionado a autoridade portuguesa quando falaram pela primeira
vez. Os 11 anos com a tribo não tinham demolido a sua esmerada educação, a sua
elegância de trato à boa maneira inglesa. Tudo isso teria levado ao
silenciamento do facto pela autoridade, em Moçâmedes, e à concessão da
nacionalidade portuguesa. Teodósio Cabral e Vasco Ferreira, dois moçamedenses
muito estimados, deviam ter intercedido por ele. Tudo isso se passou à
margem da imprensa angolana, na época mais voltada para assuntos sociais da
vida luandense. E o Iona estava a 1700 km distância...para sul! Os meios
de comunicação ali não chegavam e praticamente não existiam.
Naturalizado
português a partir 1934, Dixon Ferreira tornou-se um óptimo criador de
gado, foi caçador guia-oficial para as várias entidades nacionais e
estrangeiras que se deslocavam a Angola, a convite do governo da Província, ou
do Governo Central. Dominava o português e a língua da sua pátria, era
culto e possuía longa experiência, seu saber era tido em alta consideração. A
vida selvagem não tinha para ele segredos.
Reconhecido
a Portugal, aos portugueses e a Moçâmedes, por várias vezes Dixon manifestou
seu apreço e seu orgulho em viver à sombra da bandeira lusa. Também os
portugueses nunca o abandonaram até ao último minuto da sua vida. O Governo de
Angola, em 13.03.1941, como forma de gratidão pelos serviços prestados na
Província, fez-lhe a oferta de uma espingarda para a caça grossa, que era o
sonho de todos os caçadores. E ainda de 200 cartuchos. Era uma Mauser em cuja
coronha ostentava uma chapa de prata com uma inscrição dedicada ao homenageado.
Foi-lhe entregue em Sá da Bandeira pelo tenente-coronel de infantaria José da
Cunha Amaral Belo.
3 caçadores muito conhecidos na Angola daquele tempo
Rapariga Cuisse
Dependentes das chuvas para manter e reproduzir o gado, e vivendo numa
zona onde em cada ano oito meses são secos, com anos de chuvas
reduzidas, este povo, que sempre conseguira pela transumância e
pastorícia alimentar rebanhos e mais rebanhos, bois e mais bois, falha
redondamente em relação aos cereais, normalmente cultivados nas placas
aluviais dos rios que definem os pontos de convergência do povoamento
típico da zona.
Tchamalinde. Do livro Angola: Dever de Memória
Quando Dixon
abandonou Tchamalinde, teve de deixar a mulher Mu-Tua com quem viveu , e
que preferiu ficar na sua tribo, onde ficou também a linda menina loura,
filha de ambos. Dixon viveu depois com Ema Wustron, filha de uma senhora
mestiça e de um boer, que vivia nas terras do Otchinjau, de quem teve
dois filhos, o Jaime e o Pedro. Não eram perfilhados. Foram-no após a
morte dos pais pelo Tribunal da Comarca de Moçâmedes, onde correram os autos
de inventário orfanológico. Quanto à perfilhação dos dois orfãos, o Tribunal
declarou: " E porque os pais se encontravam muito longe do local onde
podiam efectuar o assento relativo ao registo civil, não os
perfilharam..." . Ema Wustron tinha falecido no Otchinjau, em Dezembro
de 1941, tendo as crianças ido para casa de um tio, boer, Ernesto Wustron, onde
ficaram até ao falecimento de seu pai, Dixon Ferreira, por volta de
1945.
Depois do
falecimento de Ema, a antiga mulher Mu-tua ainda chegou a estar com
Dixon. Sabe-se que ele queria tirar a filha daquela tribo que vivia na Idade da
Pedra, e pensou levá-la para Moçâmedes para ser criada e educada junto da
família de Vasco Ferreira, seu bom amigo, então já falecido. Mas parece
que não conseguiu porque os Mu-tua ao aperceberem-se da sua intenção, pegaram
na menina e levaram-na para junto da sua gente, no maciço onde era
impossível localizá-la. Mais tarde a "rapariga branca", filha
de Dixon, como era conhecida pelos nativos, teria sido vista numa zona junto da
margem esquerda do rio Cunene, para sudoeste, onde havia também zonas
rochosas, mas à aproximação de qualquer europeu refugiava-se na montanha.
Cecilio Moreira refere ainda a mágoa dele próprio por não ter conseguido saber
da "rapariga Branca", e lembra-nos que foi Dixon quem ensinou a
Teodósio Cabral os segredos da caça. Os Mu-tuas mantiveram por ele extrema
consideração, mesmo depois de ter ido viver junto dos brancos. Foi sempre
lembrado com respeito, como o primeiro branco a fazer parte sua tribo.
Ultimamente Dixon foi capataz na circunscrição do Curoca Norte, usufruindo de
um útil vencimento.
Quando em 20
de Setembro de 1945 Dixon faleceu, em casa do seu amigo administrador da
Circunscrição do Coroca Norte, Nolasco da Silva, foi no Otchinjau que ficou
sepultado. Conforme escreveu a esposa do Administrador, D. Marilia Aguiar
Nolasco da Silva, nos últimos momentos da sua vida Dixon agarrou-se ao seu
marido e pediu-lhe para criar e educar as suas crianças. Foi a extremosa D.
Marília quem olhou pelas duas crianças, que as baptizou em 13 Setembro 1947, na
Missão da Quihita, e que lhes ensinou a falar português e as primeiras
letras, porque em casa dos tios apenas se falava boer. O Jaime e o Pedro
ficaram dois anos com o casal Nolasco mas estes entenderam mandá-los para
a Casa Pia em Lisboa, em 1948, para serem educados, uma vez que no
mato, em Angola, não havia condições. Ali concluíram os cursos secundários.
Ainda de acordo com Cecilio Moreira, o Jaime foi mais tarde funcionário da
Fazenda, e nunca o conheceu, mas o Pedro escreveu-lhe uma carta para Nova
Lisboa referente à reportagem do "Homem da Casa de Barro", e falou
com ele em Luanda, onde era um conceituado comerciante da praça. Mostrou
interesse em querer saber tudo sobre o pai por quem tinha admiração e
respeito. Manifestou desgosto por não conhecer a irmã.
A Senhora
Nolasco num escrito do qual Cecilio Moreira possui cópia,
manifestou pena por não ter conhecido Dixon, porque quando o inglês faleceu ela
era ainda solteira. As referências que tinha de Dixon foram-lhe dadas pelo seu
marido, quando já era casada. Por ele soube que se tratava de um velho inglês
de carácter intensamente cortês, que veio a falecer na sua casa e
na sua própria cama que a cedera, na doença, ao amigo e
companheiro de trabalho no mato e nas estradas que ambos marcaram e fizeram
abrir durante meses.
Daniel
Ferreira, ainda viveu em terras do Namibe como criador de gado, vários anos
após ter deixado a montanha. Estas são historias reais de uma terra velha e sem
idade, com recantos infinitos ainda por explorar, a que chamaram Namibe!
Quanto à
região do IONA esta estende-se desde a margem direita
do rio Cunene para norte, formando a transição das grandes dunas do Namibe,
até à encosta sul das regiões planálticas, e que se convencionou
chamar de IONA que se compõe de várias
planícies, interrompidas aqui e além por aglomerados rochosos e por uma
vegetação arbustiva, raquítica e rara, que luta contra a secura da terra
e contra o calor, especialmente nos meses de Novembro a Março, a época do Verão
no hemisfério sul. E que à medida que se vai avançando para a encosta da
montanha até quase do topo, a vegetação vai-se tornando cada vez mais
atraente e verdejante.
Nesta região
encontram-se três tipos de vegetação: anharas, dunas
com arbustos e planície de savana com pequenos arbustos. Em substratos
de cascalho abunda a welwitschia mirabilis, planta que pode atingir mais de mil
anos de vida. Mas a vegetação vai-se tornando cada vez mais verdejante
consoante se avança para o topo da serra. O antílope emblemático do Parque é a
palanca negra gigante, praticamente extinta, mas existem outros mamíferos como
o elefante, olongo, leão, rinoceronte negro, onça, hiena, guelengue e várias
espécies de zebras.
Foi o
reconhecimento das condições excepcionais de habitabilidade daquelas terras
para da fauna africana, que levou a Administração Portuguesa a
criar em 1944, o Parque Nacional do Iona, na região mais
aconselhável, onde se encontrava uma equipa de pessoal técnico, que a
partir 1966 passou a ser chefiada por um médico veterinário que o habitava
permanentemente
Os Cuíssi-Tua, conhecidos também por Mu-tuas,
que povo é este?
Na faixa semidesértica do Deserto do Namibe, entre o mar e os contrafortes
da Serra da Chela, segundo o etnólogo José Redinha, viviam os Cuepes e Cuisses, povos
"pré-banto ou Vátua", eram também conhecidos por Curocas (nome do rio
que lhes cruza o território, ocupado por populações que a elas mesmo se
chamaram mucurocas) embora conhecidos pelos demais como Cuissis. Cuepes
seriam outros Curocas, considerados os "puros", por serem os
primeiros a se estabelecerem às margens deste rio, e ter-se-iam misturado aos
Cuissis. Redinha cita Estermann
(1960) ao afirmar que por este motivo tem-se admitido uma dupla origem para os
Cuepe – Khoisan e Cuissi. Este povo seria, pois, anterior à
presença banto, e o grupo impreciso Vátua, define, do ponto de vista
linguístico como Hotentote-Bosquímano (Khoisan), com alguns elementos bantos.
Redinha refere também que a designação Cuissi lhes é atribuída por povos
vizinhos envolvendo uma conotação pejorativa, e que os próprios Cuissis
atribuem a si mesmos a designação Ovambundia ou Ova-Kwandu, e teriam adoptado a
língua dos Cuvales, do grupo Herero, de quem se tornaram escravos.
A
generalidade dos autores situam os Cuísses como fazendo parte dos povos
negros não banto que já se encontravam no território ocupado por Angola, quando
os invasores banto o penetraram e avançaram para o Sul, onde
chegaram no século XVI, estendendo-se até às proximidades do Cunene, tendo um
número elevado atravessado a correnteza, fixando-se nas paragens áridas do
Norte da Namíbia (antigo Sudoeste Africano, colónia alemã).
O Pe. Carlos
Estermann, in "Os Povos Bantos e do Grupo Étnico dos Ambós",
refere que eram Vátuas do sul de Angola, conhecidos também por Mu-tuas
pelas tribos vizinhas, designação que eles próprios aceitavam, embora
depreciativa. Eram os mais antigos habitantes de "raça" negra
classificada no tempo colonial, faziam parte do sub-grupo não banto, dessas
vastas regiões que se estendem ao distrito Moçâmedes, desde o Cunene à serra da
Neve, já a entrar pelo Distrito de Benguela. Eles assistiram à chegada, há mais
de 400 anos, de um povo vindo do norte, pastores criadores de gado, do grupo
etnolinguístico banto, que ocupou todas as terras onde era possível a
pastorícia para as suas manadas.
Encontra-se,
nos Annaes do Município de Moçâmedes, transcritos nos do Conselho Ultramarino
(1839/1849), a seguinte anotação relacionada com Mucuissos:
Na costa ao Norte e Sul desta Vila, diz o cronista,
encontram-se os Mucuissos, que é uma raça de gentio nómada, que se supõe provir
da nação mecuando, que demora ao sul de Dombe, num lugar chamado Munda dos
Huambo. Vagueiam pelas pedras e rochedos da costa em pequeno número,
sustentando-se de mariscos e de peixe que, industriosamente, colhem com pregos,
ou qualquer bocado de ferro, à falta de anzol, não fazendo parada certa nem
demorada em parte alguma, sendo bastante tratáveis.
o
Conclusão. Perseguidos e discriminados como
diferentes, os Cuissi-Tua, povo pré-banto,
viviam na montanha. onde se refugiaram.
Aliás, havia uma antiga tradição do grupo étnico helelo ou
herero do sul de Angola, subgrupo Chimbas, ou Himbas, (Mucubal e Muhimba), que contrava que os seus
antepassados tinham sido mortos, atirados
ao mar e comidos pelos peixes, e que por esse facto eles são
um povo que se recusa a comer peixe, alimento que o mar de
Moçâmedes, não assim tão longe do seu habitat, quase gratuitamente lhes
ofereceria. Portanto, uma recusa por motivos culturais. Reza a tradição que seria daí que advinha o seu desprezo aos grupos que se alimentam de peixe. É o caso dos Cuissis ou mucuisses...
Os Chimbas, ou Himbas, do grupo herero banto viviam mais na anhara e na encosta da serrania. São
povos que não respeitavam nacionalidades, rejeitavam leis e conceitos como
cidadania, que implicava o pagamento de impostos, desconheciam a identificação,
desdenhavam a civilização ocidental, contavam o tempo pelas cheias dos
rios, pelas luas e pelas chuvas, não conheciam o relógio, nem o calendário.
Alguns Chimbas aproximavam-se dos europeus mas não abandonavam nunca
seus usos e costumes. O homem da montanha, amedrontado, vivia ainda em estado
primitivo, e muitos nunca tinham visto um branco, desconheciam o dinheiro e o
mais elementar principio da civilização. Foram sempre inacessíveis
à acção dos missionários, adoravam a liberdade, gostavam de ter várias mulheres
e de viver a seu modo. O nome dos Cuíssis deste surge intimamente ligado ao
Morro do Tchitundo-Hulo ou Tchidundulo, local por eles venerado, também
conhecido por "Morro Sagrado dos Mucuísses", um dos mais belos
conjuntos rupestres da Pré-História existentes em Angola, onde abundam
representações de animais e desenhos esquematizados.
Caçador e Pigmeus
Cuisses (mucuisses, mucuíxes, owakwisis) no
Deserto do Namibe e Huila. ICTT
Os Cuísses (mucuisses, mucuíxes, owakwisis)
Desconhece-se a existência de quaisquer referências a
este povo, em relatos efectuados por exploradores ou viajantes no decurso dos
tempos, o que talvez encontre justificação no isolamento em que viviam,
evitando todo o tipo de convívio com povos de outras etnias, e mais ainda
com europeus. Redinha refere a origem desconhecida dos Cuisses, povo
que teria passado por uma pesada dependência dos Hotentotes, de quem
teriam adoptado a língua, antes de se terem submetido aos Dimbas e aos
Cuvales. Detentores de uma cultura muito primária, viviam o ciclo da caça
e da colheita. Tal como os Chimbas ou Himbas, os Mucubais (Ova-kuvale),
pertencem também do grupo etnolinguistico banto Herero, povo vizinho, que ocupa
a área que envolve o município do Virei, ao norte, são a população
emblemática do sudoeste de Angola.
Existem
escritos que integram nos subgrupos Herero, os Curocas que desde há séculos
incorporaram a língua, as vestes e uma cultura pastoril que se expandiu
para além das fronteiras territoriais e étnicas. As populações do Curoca muitas
vezes reivindicam para si a identidade Mucubal, mas negam a identidade Cuissi,
ressaltando o carácter pejorativo e discriminatório do termo.
O termo
Curoca é, pois, uma designação mais de ordem geográfica do que étnica, conforme
Estermann (1960) e Cruz (1967), dado que todos os povos que se estabeleceram
nas proximidades deste rio podem ser assim chamados. Quanto aos Cuepes, a sua
origem é "extremamente confusa", já que ao contrário de toda a lógica
em relação ao local que habitam, seu idioma não era o dos Hotentotes, mas outra
variação das línguas do grupo khoisan. Redinha não se refere,
contudo, ao facto de os Cuepes terem adoptado a lingua cuvale, há já
cerca de quatro gerações.
Bibliografia:
"O fugitivo do Iona" -Moreira,
Cecílio, Baia dos Tigres, Universidade Portucalense
Ver também:
-Annais do
Clube Militar Naval Lisboa N. 86 Jan e Março 1956
-Annais
Pecuários de Angola, de 1930.
- Redinha,
José. “Etnias e Culturas de Angola”, de 1974.
-Estermann,
Carlos (Padre) - Os Povos não Bantos e do Grupo Étnico dos Ambós"
- Seligman
(1935). “Les races de l’Afrique”
- Deniker
(1926) em “Les races et les peuple de la terre”,
MariaNJardim
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