Há 5 anos atrás era ainda assim... (foto identificada pelo autor). Repare-se na arquitectura, nos detalhes telhado, nos remates em ferro rendilhado à volta do mesmo, nas sacadas das portas do 1º piso, marca de uma época. Todo esse material em ferro fundido e folha de ferro com efeitos rendilhados vinha da Europa industrializada, já prontos e acabados, em navios da Marinha Mercante, após encomendas que eram efectuadas através de catálogos, naquele tempo em que o ferro estava na moda, tendo como ícone máximo das construções naquele material, a Torre de Eiffel em Paris, a "dama de ferro" da França, construída entre os anos de 1887 e 1889.
Seria necessário conhecer a HISTÓRIA antes de se proceder a qualquer dano nos edificios. Este é um edifício emblemático para a cidade de Moçâmedes, como o próprio nome da Companhia sugere.
Aqui já sem o famoso telhado
Como foi possível esta barbaridade que irá acelerar a sua queda? Trata-se do único SOBRADO de Moçâmedes. E quanta HISTÓRIA esta construção encerra?
Eram tempos de reconversão económica, o tráfico de escravos que durante 3 séculos escoara de Angola na direcção do Brasil e Américas, tinha sido definitivamente abolido em 1869, o investimento da parte dos colonos, sem grandes capitais, não era suficiente para levar por diante o desenvolvimento de infra-estruturas necessárias, nomeadamente a construção da ferrovia, a implantação e o desenvolvimento da produção agrícola, bem como a exploração de recursos minerais, etc etc, o principal objectivo da Companhia.
Como alguém muito bem disse:
“Um povo sem memória é um povo sem história. E um povo sem história está fadado a cometer, no presente e no futuro, os mesmos erros do passado”
O "SOBRADO" da "COMPANHIA DE
MOSSÂMEDES"
Este SOBRADO cuja decadència tem acelerado nos últimos 5 anos, desde que alguém lhe mandou retirar o telhado, não se sabe porquê, excepto para que degrade ainda mais rapidamente, é um edificio pleno de carácter e de História, que pertenceu à Companhia de Mossâmedes, o único do género na terra, o que só por si já o torna digno de preservação, para além daquilo que significa ao nível da sua História e da sua Arquitectura.
A este nível, o telhado que foi arrancado tinha por característica assentar sobre um remate em folha de ferro rendilhado, tal com as sacadas das varandas contruidas em ferro fundido. Contemporâneo de uma época em que o ferro estava na moda, tendo como ícone máximo das construções a Torre Eiffel, a "dama de ferro" da França, construída entre os anos de 1887 e 1889, em pleno arranque para a 2`fase da Industrialização, por ocasião da Exposição Universal de Paris, o SOBRADO de Moçâmedes é também ele herdeiro de tudo isso.
Importa referir que a arquitectura do ferro tornou-se emblemática na segunda metade do século XIX e nos inícios do século XX, quando o ferro fundido começou a integrar o material de construção, substituindo a madeira e a pedra, graças à maleabilidade e durabilidade, tornando possível as mais variadas formas e aplicações, incluso em obras de arte de rara beleza. A folha de ferro rendilhado era aplicada em detalhes, o ferro em geral passou a ser utilizado em ferrovias, pontes, elevadores, pavilhões de exposição, quiosques, coretos, mercados, estações, teatros, fontes, postes de iluminação, portões, gradeamentos, e até em diversos tipos de mobiliário, etc. A técnica de ferro forjado permitia a reprodução de diversos estilos de elementos decorativos, etc. Da Europa industrializada, eram remetidas peças já confeccionadas, que eram encomendadas através de catálogos, e que viajavam em grande número em navios para as colónias de África, para o Brasil e para todo o mundo. Edifícios de ferro, e detalhes para edifícios podiam ser fabricados longe do local onde eram montados, porque eram facilmente desmontáveis e podiam ser transferidos de lugar. Teria sido o caso dos detalhes em rendilhado de ferro que ainda é visível neste edificio, e sobre o qual assentava o telhado.
Finalmente, um SOBRADO é um tipo de habitação característico de um certo modo de ser e de estar, que ficou a marcar uma época pela sua arquitectura específica. Muito difundido no
Brasil colonial, segundo o sociólogo Gilberto Freire, SOBRADOS disseminaram-se precisamente no momento em que começou a dissolver-se o sistema
económico fundado no tráfico de escravos, quando os proprietários rurais,
aburguesados, se transferiram de suas "Casas Grandes" rodeadas de
"Senzalas", erguidas junto das plantações, para os centros urbanos, onde procuraram manter, nesta fase, usos e costumes tradicionais, levando consigo a criadagem que se habituaram a ter por perto para
os servir. O SOBRADO permitiu-lhes um tipo de habitação muito especial,
com características próprias em termos de espaço interior, de divisões,
etc, adaptados ao estilo de vida citadino, sem um corte abrupto com o
passado rural, nessa fase de transição. Permitiu-lhes essa superação e essa
adaptação.
Os SOBRADOS de dois pavimentos eram destinados às classes mais abastadas, comummente possuem um espaço livre frontal cercado por grades, um amplo lance de escadas que leva ao pavimento superior composto por uma sala e portas que se abrem para os quartos de dormir, além das quais se situa a varanda, onde a família geralmente faz as refeições e recebe visitas durante o dia. A parte mais baixa da construção era ocupada pelos serviçais, ex-escravos, por animais ou destinada a fins domésticos, ou ocupados por lojas. Dava-se grande importância às varandas internas voltadas para dentro, às bandeiras nas portas e janelas, e às sacadas externas voltadas para a rua, com grades de ferro. Os SOBRADOS podiam ter uso residencial, comercial ou misto. O uso determinava a compartimentação.
Os SOBRADOS de dois pavimentos eram destinados às classes mais abastadas, comummente possuem um espaço livre frontal cercado por grades, um amplo lance de escadas que leva ao pavimento superior composto por uma sala e portas que se abrem para os quartos de dormir, além das quais se situa a varanda, onde a família geralmente faz as refeições e recebe visitas durante o dia. A parte mais baixa da construção era ocupada pelos serviçais, ex-escravos, por animais ou destinada a fins domésticos, ou ocupados por lojas. Dava-se grande importância às varandas internas voltadas para dentro, às bandeiras nas portas e janelas, e às sacadas externas voltadas para a rua, com grades de ferro. Os SOBRADOS podiam ter uso residencial, comercial ou misto. O uso determinava a compartimentação.
No
Brasil existem muitos SOBRADOS a recordar esses velhos tempos que em
que o trabalho escravo alimentara secularmente uma economia que tinha
por base as plantações de cana de açúcar. Em Angola também os há,
sobretudo em Luanda e em Benguela. Em Moçâmedes onde a colonização foi
tardia, fez-se com colonos foragidos do Brasil, desde 1949, e já após a abolição do tráfico de escravos para o Brasil e Americas, onde não consta ter havido tráfico, mas sim escravatura interna, com o encaminhamento desde Luanda da mão de obra libertada de navios negreiros aprisionados, conhecemos apenas este, o que denota até neste pormenor, o tipo de
colonização ali levada a cabo. Até porque muito poucos podiam ter a veleidade de
mandar construir um SOBRADO! Ora este ao que pudemos apurar, pertenceu à Companhia de Mossâmedes, Companhia de responsabilidade limitada, com sede em Paris, criada em 1894 pela Royal Society, com a maioria do capital francês,
na sequência do Tratado assinado entre França e Portugal, em Maio de
1886, por altura da célebre Conferência de Berlim,* e da assinatura do
Mapa Cor-de-Rosa**, o célebre mapa com o qual
Portugal pretendia que lhe fossem reconhecidos os direitos às regiões
entre Angola e Moçambique, "descoberta" pelos oficiais da Marinha Hermenegildo
Capelo e Roberto Ivens entre 1884 e 1885, pretensão
que levou ao Ultimato Inglês de 1890 (1), uma verdadeira declaração de
guerra da Inglaterra a Portugal, numa época em que o interesse pela
colonização do sul de Angola se encontrava legitimado perante as
potências europeias concorrentes, pelas explorações realizadas nos anos
1870 e seguintes, e pela colonização iniciada com colonos oriundos de
Pernambuco, Brasil, no final dos anos 1840, e outros vindos do Algarve a
partir dos anos 1860, nomeadamente de Olhão, bem como pela presença dos
colonos madeirenses chegados à região planáltica da Huila (1884-5),
enquanto em Berlim decorria a célebre Conferência.
Por essa altura a soberania de Portugal em toda uma faixa do território angolano a sul de Benguela e seu Interland encontrava-se em perigo. Os ancoradouros e portos do sul, estavam sendo alvo da cobiça dos alemães do Sudoeste Africano (actual Namibia), que aspiravam a construção de um caminho de ferro transafricano que garantisse aos territórios que ocupava uma saída para o mar, ligando o Índico ao Atlântico, e chegaram a realizar uma expedição à Baía dos Tigres. Questão sensível numa época em que não estavam ainda definidas as linhas de fronteira, era grave a crise financeira portuguesa, e com nitidez se revelava ao exterior a incapacidade dos portugueses de subjugarem os povos guerreiros do Cuamato e do Cuanhama, que habitavam a sul do Cunene. Foi então que a Companhia fez deslocar para Moçâmedes vários especialistas, de prospectores a engenheiros, biológos e agronómos, etc., com o objectivo de levar a Angola a dar o grande salto de que necessitava para progredir e se modernizar, e para que Portugal ganhasse o respeito de nações cobiçosas.
Por essa altura a soberania de Portugal em toda uma faixa do território angolano a sul de Benguela e seu Interland encontrava-se em perigo. Os ancoradouros e portos do sul, estavam sendo alvo da cobiça dos alemães do Sudoeste Africano (actual Namibia), que aspiravam a construção de um caminho de ferro transafricano que garantisse aos territórios que ocupava uma saída para o mar, ligando o Índico ao Atlântico, e chegaram a realizar uma expedição à Baía dos Tigres. Questão sensível numa época em que não estavam ainda definidas as linhas de fronteira, era grave a crise financeira portuguesa, e com nitidez se revelava ao exterior a incapacidade dos portugueses de subjugarem os povos guerreiros do Cuamato e do Cuanhama, que habitavam a sul do Cunene. Foi então que a Companhia fez deslocar para Moçâmedes vários especialistas, de prospectores a engenheiros, biológos e agronómos, etc., com o objectivo de levar a Angola a dar o grande salto de que necessitava para progredir e se modernizar, e para que Portugal ganhasse o respeito de nações cobiçosas.
Eram tempos de reconversão económica, o tráfico de escravos que durante 3 séculos escoara de Angola na direcção do Brasil e Américas, tinha sido definitivamente abolido em 1869, o investimento da parte dos colonos, sem grandes capitais, não era suficiente para levar por diante o desenvolvimento de infra-estruturas necessárias, nomeadamente a construção da ferrovia, a implantação e o desenvolvimento da produção agrícola, bem como a exploração de recursos minerais, etc etc, o principal objectivo da Companhia.
Na 2ª foto acima, a foto a preto e branco, está a prova acabada de que este SOBRADO, situado na ex-Rua da Praia do Bonfim, em Moçâmedes, a olhar para a ex-Avenida da República e para o edificio dos CTT, cujo último proprietário foi Venâncio Guimarães, pertenceu à Companhia de Mossâmedes, ou "Mossâmedes Society".
Estes são alguns pedaços da História de Moçâmedes, que se confundem com a história deste SOBRADO que mereceria ser salvo, antes que o processo de destruição se torne irreversível. Este
o meu apelo a quem tem nas suas mãos o poder de manter ou de deixar
cair este edifício, que foi também fruto do trabalho árduo de tantos
africanos que ali deixaram o seu suor, para além daquilo que representa
para a compreensão da História de Moçâmedes e de toda a região sul de
Angola. Olhemos para os edifícios antigos, procurando ler através deles a
mensagem que do fundo dos tempos nos estão enviando!
Como alguém muito bem disse:
“Um povo sem memória é um povo sem história. E um povo sem história está fadado a cometer, no presente e no futuro, os mesmos erros do passado”
MariaNJardim
O CONTEXTO DA ÉPOCA
(1)
No contexto da chamada "Partilha da África" entre as potencias
europeias, Portugal apresentou um projecto de ligação entre Angola e
Moçambique (o "mapa cor-de-rosa"), na tentativa de alargar a sua
presença no continente africano, projecto que colidia com os interesses da Inglaterra que sonhava com
um caminho-de-ferro ligando a África do Sul ao Egipto, e apresentou a Portugal o Ultimato de 1890, que intimava a desocupação dos territórios compreendidos entre Angola e Moçambique num curto espaço de tempo: "Ou esquecem o mapa ou têm
guerra! O
Ultimato levou Portugal ao abandono das
pretensões assinaladas, e foi uma
verdadeira declaração de guerra, que na Metrópole caiu como uma bomba
face à humilhação provocada, tendo à época levantado uma onda de patriotismo, que foi
aproveitada para incentivar os portugueses a partir
para uma Africa que à maioria ainda despertava temores e medos.