O Chefe da Primeira Colónia
( «Moçâmedes» 1º Volume, de Manuel Júlio de Mendonça Torres)
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Bernardino Freire de Figueiredo Abreu e Castro foi o ilustre chefe dessa plêiade ousada de portugueses, que, vinda há um século do Brasil, iniciou, no sul de Angola, a obra de civilização que admiramos.
Temos sobre a nossa mesa de trabalho um dos seus melhores repretos. Observando-o atentamente, recordamo-nos do que ouvimos a alguns dos seus contemporâneos, e, sobretudo, apreciando os seus escritos, e estudando os livros e documentos que se lhe referem, vamos diligenciar representá-lo em breves linhas.
Tinha o rosto oval, de tez acentuadamente morena. Iluminavam-no olhos pequenos, mas vivos com expressões de mansidão, reflectindo a um tempo, sentimentos de energia e de bondade. O cabelo era fino, corredio, azevichado. A fronte, espaçosa. O nariz, grosso. Trazia rapado o bigode , e usava barba de colar, que a fotografia nos apresenta branca, correndo, muito curta, em estreita faixa, de orelha a orelha, sob o mento. A fisionomia, simpática; as maneiras, insinuantes. A sua presença agradava.
No prestigioso chefe da primeira colónia foram surpreendentes a tenacidade com que organizou o grupo de colonos de 49 e a presteza que desenvolveu, junto do Governo Central e do seu alto representante da Colónia, para o bom êxito do empreendimento. Obstáculos, contratempos, oposições, que grandemente lhe dificultaram a acção, tudo venceram a sua infatigável obstinação e a dua férrea vontade.
Bernardino de Figueiredo nasceu em Nogueira do Cravo, povoação do concelho e comarda de Oliveira do Hospital, distrito de Coimbra, província da Beira Alta.
Em face da cópia paleográfica que consultámos, do seu assento de baptismo, extraído do Livro de baptizados da freguesia de Nogueira do Cravo de 1806 a 1830, tivemos conhecimento de que fora baptizado «em os quatorze dias do mês de Dezembro de mil houto centos e nove». (sic)
Nãi se encontra neste assento, lavrado, a fls. 18, daquele livro, existente no Arquivo e Museu de Arte da Universiadde de Coimbra, a data do seu nascimento. Mas podemos conjecturar, com grandes visos de exactidão, ter nascido no ano em que foi baptizado. . Não é costume ser a data dos baptizados muito distanciada da dos nascimentos. Assim , tendo sido baptizado em 14 de Dezembro de 1809, último mês do ano, deveria ter nascido nesse mês, ou em qualquer dos outros desse ano. Parece-nos, pois, que, se não acertámos, não estaremos muito longe da verdade, declarando haver nascido em 1809.
Guidos por este documento e pela árvore genealógica da família Abranches, cujo exame nos foi obsequisosamente facultado, em dua casa, de Galizes, povoação do Concelho de Oliveira do Hospital, pelo Sr. Dr. Vaz Pato, inteiramo-nos de que foram seus pais Alexandre Campos de Abreu Vasconcelos e D. Rita de Figueiredo; seus avós paternos, Manuel Nunes de Campos e D. Joaquina de Campos, e seus avós maternos, Francisco Abranches Freire de Figueiredo e D. Josefa Maria de Abreu e Castro, da Casa da Torre, hoje pertencente ao nosso amável informador.
Lemos no dicionário histórico Portugal, de Esteves Pereira e Guilherme Rodrigues (Lisboa, 1906), «que era estudante de Coimbra, quando, levado pelos princípios e sentimentos de sua familia, se alistou nos voluntários realistas, seguindo o partido de D. Miguel e fazendo toda a campanha às ordens dum seu próximo parente, general das armas da província». Da árvore acima citada, consta também que fora tenente de caçadores do exército de D. Miguel.
Após a Convenção de Évora Monte, que, em 1834, pôs termo à guerra civil, e extintos todos os bandos de partidários, deispersos pelo País, veio para Lisboa, onde se conservou, durante três anos, desde 1837 até 1839, colaborando na redacção do Portugal Velho, órgão do absolutismo.
Em 1839, partiu para Pernambuco: alí se dedicou ao exercício do magistério. E, ao mesmo tempo que desempenhava funções professorais, escrevia livros. São dele algumas obras didacticas e um romance. Fez parte do corpo docente do Colégio Pernambucano, onde leccionou latim, história e geografia.
Manuseámos um primeiro volume dum compêndio seu, intitulado História Geral, dividido em seis volumes, que se denominam: o primeiro, História Sagrada do Antigo Testamento; o segundo, História da Vida de Jesus Cristo e dos Apóstolos e História dos Judeus desde a dispersão até aos nossos dias; o terceiro, História Antiga e Grega; o quarto, História Romana e da Idade Média; o quinto, História Moderna; o sexto, História de Portugal e do Brasil.
O primeiro volume que tivemos entre mãos, História Sagrada do Antigo Testamento, é dedicado ao director do Colégio Pernambucano, José Soares de Azevedo. Escreveu-o sob o seguinte tema, consignado na obra: A verdade da Religião, sua antiguidade e santidade, até se demonstram de alguma sorte por sua própria grandeza (P. de Pascal). Nele se declara a empresa e o ano em que foi impresso: Tipografia de Santos & Companhia, Pernambuco, 1841. E nele ainda se lê o anúncio que se segue: «está a entrar no prelo: Resumida notícia da História da Língua e Literatura Portuguesa, do mesmo autor.
Também nos foi dado compulsar uma outra obra de Bernardino de Figueiredo, Nossa Senhora de Guararapes, romance histórico, descritivo, moral e crítico, epígrafe a que estão sobrpostos os seguintes dizeres: «Não vos conto alheias cousas».
Guararapes é a denominação dos montes que se erguem nas imediações de Pernambuco, onde os portugueses, sob o comando de Francisco Barreto de Meneses, alcançaram, em 1648 e 1649, duas memoráveis batalhas contra os Holandeses, a última das quais foi extraordinariamente sangrenta, mas gloriosa e decisiva. Como as forças portuguesas eram muito reduzidas em confronto com as numerosas tropas holandesas, foi a vitória atribuída convictamente a milagre. O romance de Bernardino de Figueiredo faz alusão ao facto.
Sobre o acontecimento, é interessante recordar, a propósito, a existência do quadro a óleo «A batalha de Guararapes» do distinto pintor brasileiro Vítor Meireles de Lima, falecido em 1902, autor de inúmeros trabalhos pictóricos, como «Descobrimento e Primeira Missa do Brasil», «Combate de Riachelo», «Panorama da Baía e cidade do Rio de Janeiro», «Flagelação de Cristo» etc. ..
O romance de Bernardino de Figueiredo foi impresso em Pernambuco, na Tipografia de M.F. de Faria, em 1847.
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«REVISTA UNIVERSAL LISBONENSE. 29»
Já se acabaram mais cinco casas na povoação pertencentes á gente da segunda expedição que dahi veio, e estão fazendo mais; esquecia-me dizer-lhe que no Giraúl (perto das borlas) se arranjaram umas salinas, e os autores foram muito felizes, pois tem tirado sal, igual ao de Setúbal, e com muita abundância.
Mossãmedes, a primeira vista, atterra os ânimos mais resolutos, mais
depois de se examinarem os seus contornos, já se cria outra alma ; o
homem sente-se com toda a anterior coragem ; fique certo que o não
estar mais prospera esta Colonia deve-se ao Bernardino. Há dias
chegaram do Rio de Janeiro dez colonos, e esperamos 8 navio «General
Etegowde» lá fora mais outra expedição, em que dizem vem duzentos
mocetões, iremos: assim como que o governador desta recebeu aviso do
Ministro da Marinha para esperar outra expedição do Maranhão.
A
exportação de Mossamedes em o anno de 1849 o 1850 em cera, marfim,
urzella e peixe secco, foi de 120:000 000 réis. Ahi deve ter chegado o
Pavão que dahi saiu , o qual sendo governado pela mulher, aqui não
quiz ficar, apezar de ganhar por dia 2/300 réis ; veja se elle ahi
ganhava similhante jorna.
O Manjericão parece que se quer retirar, o
que também não admira , visto ter mulher e filhas, e pôde ser verdade
que duas dellas estavam falladas para cazarem, como aqui alguém me
diz. Fique certo , caro estima , que Mossamedes é uma terra muito
boa, e ha-de ser feliz quem se dedicar ao campo, a fazer progredir a
agricultura, tendo saúde ponto em que felizmente muito ganha, esta
província, presentemente, ao Brazil; aqui sabemos o que ainda está
succedendo em essa província , na Bahia , Rio de Janeiro , Pará e
outras.
Se tiver alguma carta para mim, fará favor de ma remetter
ainda que seja pelo Rio, pondo a direcção para casa de J. C. de
Billancourt. — Saúde e felicidade, e sou de v. attento venerador e
criado.— José Antonio Pinto Guimarães.
P. S. O Rangel e o Coutinho foram para os Gambios, o primeiro encarregado de fazer uma pequena fortaleza.
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CURIOSIDADES
«Em 1969, a
Agência-Geral do Ultramar editou o n.º 8 da sua colecção «Figuras e
Feitos de Além-Mar», intitulado «Bernardino Freire de Figueiredo Abreu e
Castro, Fundador de Moçâmedes». Era seu Autor o Padre José Vicente,
que à mesma figura já tinha dedicado alguns artigos no jornal regional
«A Comarca de Arganil», de que era redactor em Lisboa.
Nesse livrinho, a páginas 14, vem referido um episódio, que procurarei
resumir. Alguns anos antes, tinha-se deslocado a Lisboa um indivíduo de
certa projecção social em Angola com os apelidos «Freire de Figueiredo
Abreu e Castro». O Dr. Augusto Abranches Freire de Figueiredo (bisavô
do confrade Nuno Canas Mendes), dirigiu-se imediatamente ao hotel onde
ele se encontrava hospedado para inquirir sobre o grau de parentesco
que os unia e obteve a seguinte resposta:
«Não.
Não somos parentes. A coincidência de apelidos explica-se desta forma:
na região de Moçâmedes foram muitos os pais que, a partir de 1871 –
data em que Bernardino faleceu – e mesmo antes, puseram aos filhos
recém-nascidos os apelidos do fundador da cidade, para desta forma lhe
prestarem homenagem. Assim aconteceu aos meus antepassados, que não são,
de facto, consanguíneos de Bernardino.»
Ao rever o citado livro para lhe dar esta resposta, encontrei dentro um recorte do «Diário de Notícias» (sempre tive a mania de guardar papéis), com a notícia do óbito da escritora e publicista Maria de Figueiredo (* Moçâmedes 1906 + Lisboa 26-12-1971), cujo nome completo – D. Maria da Conceição Pinho Simões Pimentel Teixeira Freire de Figueiredo – me leva a conjecturar que também fosse da sua família.
(...)Cumprimentos,
José Caldeira »
.
Nota sobre Bernardino: Confirma-se a ascendência nos Reis de Portugal. Para mais informações consulte: http://www.geneall.net/P/per_page.php?id=584348
Os contingentes de colonos fundadores de Moçâmedes foram empurrados pela Revolta Praieira, --movimento
liberal e separatista que, entre outras causas lutava pelo fim do
monopólio dos portugueses do comércio nas cidades--, tendo os primeiros 1º contingente de colonos
partido de Pernambuco no dia 23 de Maio de 1849, na barca “TentativaFeliz” e
no brigue da marinha portuguesa “Douro” com 166 portugueses a bordo, entre eles, Bernardino
Freide Figueiredo Abreu e Castro, o organizador da expedição.
Decorridos 73 dias de viagem chegaram a Moçâmedes, passando a ser
conhecido o dia 4 de Agosto de 1849 como o dia da Fundação da Cidade.
Uma segunda vaga chegou a Mossâmedes a 26 de Novembro de 1850, com 144
colonos...