
Foto: João Thomás da Fonseca junto da esposa, D. Celeste Sena Fonseca, e a filha de ambos, a pequena Celeste (Celeste Fonseca Robalo), por volta de 1914
Viviam-se os tempos críticos que antecederam a implantação da lª
República, em finais do século XIX, quando João Thomás da Fonseca (pai), algarvio, natural de Tavira, resolveu emigrar para Angola, onde esteve ao leme de um veleiro que operava por toda a
costa, até que um dia resolveu, com as facilidades governamentais
obtidas, e o dinheiro amealhado, estabelecer-se no
Mucuio. E foi ali, naquela praia deserta
pequena e inacessível, situada a sul de Benguela, no distrito de
Moçâmedes, perdida nas escarpas do deserto do Namibe, onde vales
secos foram no rolar dos tempos substituindo rios que ali iam desaguar, que João Thomás da Fonseca (pai) ergueu
a
sua pescaria, requisitou pessoal indígena, comprou os primeiros barcos à
vela e a remos,
montou duas armações que necessitavam no
mínimo de 4 barcos para efectuarem a pesca à valenciana (1), pagou
mestres de terra algarvios que mandou vir da Metrópole, e depressa
prosperou e fez-se ganhar
respeito e influência no meio industrial limitado da Moçâmedes de
então.
A pescaria Mucuio era
sem dúvida uma importante pescaria, que nos seus tempos áureos possuía
salinas, fábrica de farinha de peixe e de conservas, um pequeno
estaleiro, para além debuma traineira de 80 toneladas, 2 sacadas (só para a pesca do
cachucho e da garoupa), e 2 armações, que, para funcionarem precisavam no
mínino de 4 barcos para efectuar a pesca à valenciana, e possuía
também mais de 20 embarcações pequenas. Da fábrica de conservas de peixe
chegaram a ser exportadas para o nordeste americano, em latas de 2,5kg, conservas de merma e atum,
com respectivos rótulos. A pescaria dedicava-se também
à salga e seca de peixe, e a uma pequena congelação.
O Mocuio não possuía água potável, era a partir de Moçâmedes que a água era de início transportada em enormes pipas, de início transportada por barcos de pesca e por carros puxados por manadas de bois, e mais tarde em camiões. Apesar dos condicionalismos de toda a ordem, e do isolamento a que obrigava, o Mocuio foi evoluindo ao longo do tempo, e já no início do século XX, João Thomás da Fonseca (pai) mandou construir, com todo o conforto, o seu bonito chalet cor-de-rosa, em pleno areal da praia, onde nada faltava, inclusive um sistema de aquecimento e de canalização de água ligado à parte exterior, onde ficavam a casa de banho e a cozinha, duas guaridas (uma para o guarda, outra para aquecimento central), e um mirante a partir do qual podia, sentado de frente a olhar o oceano, a praia e as instalações da sua pescaria, observar os galeões que entravam e saiam da baía, fazendo o transporte de mercadorias para o norte de Angola,(Cabinda), Ponta Negra, Gabão e Golfo da Guiné, levando dali ovas, peixe seco, barbatanas de tubarão, e recebendo em troca, bordão, madeiras preciosas, e outros produtos mais, enquanto ao mesmo tempo ia observando, lá de longe, a azáfama da laboração pesqueira.
Conta-se que morreu
gente no Mucuio, devido à tubagem de cobre das canalizações.
A
pescaria do Mucuio deu origem à fixação de inúmeros europeus e
africanos na zona, estes entre contratados e livres, uma comunidade que
se desfez após a independência de Angola, em 1975.
Uma curiosidade: olhando para esta última foto, podemos facilmente reparar que à falta de cadeiras, as senhoras estão sentadas sobre pequenos caixotes de madeira, devidamente rotulados. Acontece que naquele tempo, e até 1950, a gasolina era importada dos Estados Unidos da América, em latas de 20 litros acondicionadas em caixotes, mas o precioso combustível também chegava a Angola em tambores de 200 litros. E porque nesse tempo fora das cidades não existiam de bombas de gasolina para abastecimento, os proprietários dos escassos transportes automóveis que existiam, tinham que levar consigo, nas suas deslocações, alguns desses caixotes com as respectivas latas para se abastecerem pelo caminho, quando o depósito do veículo esgotava. Aliás, os mais antigos recordam ainda as bombas manuais que existiam nesse tempo, nas principais cidades de Angola, e em certas povoações do mato, que, com um pouco de sorte, eram oferecidas pelos produtores de petróleo do Texas aos potenciais importadores. Estas bombas eram constituídas por um carrinho, de duas rodas que fazia lembrar as quadrigas romanas, só que em vez do Ben Hur (condutor) estava um tambor de 200 litros. A quadriga tinha uma "torre" de 2,5 m de altura, que terminava em dois reservatórios de 5 litros, para onde era elevada a gasolina através de uma bomba manual de êmbolo, num sistema de vai-vem. Enquanto se esvaziava um reservatório para o carro, por gravidade, bombeava-se a gasolina para o outro reservatório, e assim sucessivamente, em golfadas de 5 litros. As latas e os tambores vazios eram depois aproveitados para transporte de água. Uma água que, por vezes, durante algum tempo, apresentava um certo sabor a gasolina ...
Em África, naquele tempo era assim! Ver em OS ESQUELETOS NOS ARMÁRIOS
Ficam estas recordações da gesta dos portugueses em Angola.
Pesquisa e texto de MariaNJardim
(1) Os barcos mantinham as redes no fundo do mar, geralmente com vista a capturar espécies migratórias nas suas rotas, e estas eram levantadas, por duas vezes , durante o dia, para retirar o pescado, e apenas eram retiradas para manutenção.
Algumas destas informações foram recolhidas do livro "Baia dos Tigres".
...................................................................................................................................................................
Origem do Nome. Escreve-se MOcuio ou MUcuio?
Conforme informação de João Carlos Robalo (neto do fundador) a quem muito agradecemos:
Relembro que a 1ª menção, que se conhece a “ Mocuio” (região) consta de 7 de Outubro de 1785 e, já na época, era assim documentadamente redigido. Averiguemos até, confiramos ainda e confirmemos também que escrituras, diplomas, declarações e demais documentos oficiais, bem como textos literais em português figurar Mocuio. Perante o exposto inferir-se-á que em português não se deverá escrever Mucuio, mas sim Mocuio.
Na foto, o prato de loiça de um dos serviços do Chalet onde se pode ver gravado MOCUIO com “O” e não “U”. Todas as peças de loiça detinham esta estampagem de personalização com a nomenclatura Mocuio ou então, com um entrelaçado com as iniciais do seu nome JTF. Conf informação de João Carlos Robalo (neto do fundador do Mocuio) a quem muito agradecemos.
Vejamos em seguida a posição sobre o mesmo assunto de um outro neto do mesmo fundador, João Thomás da Fonseca:
"...Não quero ser polémico nem contestar ninguém mas pela experiência que tive da minha vivência de Àfrica, embora não sendo filólogo ou especialista em línguas, faz-me mais sentido que se escreva com “Mu”, pela simples razão que é um prefixo usado para definir o nome de uma raça humana no sul de Angola ou o nome de árvores.
Dou alguns exemplos.
Àrvores:- Mucuio (figueira brava), Mulemba, Mucua, Muthiati e por aí além.
Raças humanas:-
Mucubal,
MuMhuíla, Mudimba,
Mucuanhama,
Mukancala, etc.
Possivelmente o meu avô João Thomaz tenha usado a forma aportuguesada, pois realmente toda a louça do nosso chalet está com o nome MOCUIO.
Obrigado pela oportunidade de poder dar a minha opinião.
Um abraço. "
..........................
VER VIDEO MUCUIO HOJE
Ver também o blog Tropicália: http://afmata-tropicalia.blogspot.pt/2010/01/1-viagem-de-exploracao-maritima-da.html