Até meados dos anos 1950, os navios ficavam fundeados, ao largo, na baía de Moçâmedes...
A baia de Moçâmedes plena de baleeiras de navegação a vela a rodear o navio que transportara até Moçàmedes, de visita, o Marechal Oscar Carmona, em 1938. Eram outros tempos, que iriam mudar a partir dos anos 1950, com a construção do cais acostável.
A baia de Moçâmedes plena de baleeiras de navegação a vela a rodear o navio que transportara até Moçàmedes, de visita, o Marechal Oscar Carmona, em 1938. Eram outros tempos, que iriam mudar a partir dos anos 1950, com a construção do cais acostável.
No título desta postagem fizemos referência ao «Dia de S. Vapôr»? Mas do que se tratava então?
Até pelo menos a meados dos anos 1950, entre a população de Moçâmedes, cultivou-se o gosto pela visita aos navios de passageiros que escalavam a cidade, no decurso da suas viagens de Lisboa até Lourenço Marques, e vice-versa, passado pela cidade do Cabo, na África do Sul. A razão é que as deslocações a bordo não se reduziam apenas a recepções ou a despedidas a familiares e amigos, elas eram motivo de satisfação porque os navios traziam novidades, coisas bonitas e baratas que naquele tempo não se encontravam à venda no reduzido número de lojas da cidade. Escusado será dizer que os grandes clientes desse mercado paralelo eram as senhoras que à época, na sua maior parte, eram donas de casa, e podiam mais facilmente dispôr do seu tempo, por outro, porque o sector feminino da população era o mais apegado a este tipo de coisas, sempre à espera das últimas novidades trazidas da Metrópole, da África do Sul e de outros lugares.
Os navios chegavam normalmente pela manhã e partiam ao fim do dia, deixando aos visitantes tempo suficiente para uma ida a bordo. Como atrás referimos esta prática vinha acontecendo desde os tempos em que não havia cais acostável, e os navios ficavam fundeados ao largo, sendo a deslocação de passageiros, funcionários e visitantes, assegurada por «gasolinas». (1) Fosse o navio Pátria, o Império, ou os mais recentes Uije, Príncípe Perfeito e Infante D. Henrique, fosse o velho Quanza ou o velhinho e João Belo, fossem navios da CNN/Companhia Nacional de Navegação, (agenciada pela Duarte de Almeida, Lda.), ou da CCN/Companhia Colonial de Navegação, (agenciada pela Sotrage) ou ainda da CUF, (agenciada por Pereira Simões e Cª.Lda.), a verdade é que a possibilidade de se fazer compras nunca falhava, Estas eram efectuadas em alguns pontos estratégicos dos navios, geralmente nos camarotes do pessoal que neles trabalhava, camareiros e camareiras, já conhecidos de longa data pelas habituais clientes, que lhes vendiam toda a variedade de artigos: peças de lingerie em nylon e renda, roupas diversas, meias de vidro, camisas, gravatas, carteiras, malas de senhora, bonecas e perfumes de Las Palmas (Tabú, Maderas do Oriente e outros), bibelots do Oriente, fios de ouro, botões de punho, anéis, pulseiras, pregadeiras, colares, bebidas, charutos, tabaco, pastas de chocolate, caramelos, rebuçados, etc, etc, e até caixas de uvas de Metrópole e da África do Sul. Era um vê se te avias, havendo ocasiões em que os ditos camarotes ficavam a abarrotar, fazendo-se fila no corredor a aguardar a vez. Na barbearia do navio e no bar, comprava-se tabaco, cigarrilhas, whisky escocês, balas para caça, óculos, pastas de chocolate e toda uma série de guloseimas, livros, revistas, etc, etc. E porque em Moçâmedes não havia piscinas (a única «piscina» era o tanque de água para regas que ficava no epicentro das Hortas da família Torres), alguns visitantes mais jovens, do sexo masculino, aproveitavam a ocasião para uns mergulhos na piscina do navio, e faziam-no, é claro, ante o olhar condescendente do Comandante.
Mas havia um problema com que as visitantes-compradoras tinham que se confrontar: como passar a mercadoria comprada e conseguir escapar ao o olhar vigilante da Guarda-Fiscal que ficava à saida do portaló do navio, a partir do qual se descia por uma longa e íngreme escadaria para os «gasolinas» que levavam as visitantes de regresso à ponte, no regresso às suas casas? A estratégia era mostrar a descontração pssivel, para que algum guarda-fiscal mais desconfiado não desconfiasse... Geralmente as senhoras ao regressarem a casa iam um pouco mais cheinhas, uma vez que vestiam as roupas que compravam, sobre as roupas que levavam vestidas...
O romântico Piquete da Guarda Fiscal de Moçâmedes, vendo-se ao fundo a entrada para o edifício da Alfândega, do lado de lá da Avenida
Este era o trajecto que unia a Ponte ao Piquete da Guarda Fiscal, obrigatoriamente percorrido por passageiros, a pé, e por mercadorias levadas sobre vagonetas que deslizavam sobre carris de ferro...
Moçâmedes era uma cidade pequena onde praticamente toda a gente se conhecia, os guarda-fiscais ao fim e ao cabo tambem fingiam não ver, eles sabiam bem distinguir aqueles que iam comprar perfumes, bibelots, bijuteria, etc, para si mesmos, daqueles que iam a bordo dos navios comprar artigos para revenda, como balas para caça, tabaco, bebidas, etc. Por isso, já em terra, todo visitante dos navios, desembarcados na ponte, ainda tinham que passar pelo interior do romântico e bonito Piquete da Guarda Fiscal que aqui se vê, e podia estar sujeito à intervenção de "apalpadeiros" e "apalpadeiras" em busca de eventual contrabando.
Porquê esta sede por compras a bordo?
A explicação para este fenómeno eram as carências do mercado moçamedense da época, que gerava por isso mesmo estes facilitismos, que se reduziam, bem vistas as coisas, a inocentes compras, e a pouco mais.
Como ficou atrás referido, no tempo em que os navios ficavam fundeados ao largo, na baía, por não existir cais acostável, a deslocação de passageiros, funcionários e visitantes era assegurada por "gasolinas", um
tipo de barco pequeno, movido a motor, com um bonito design, pintado de branco, com uma parte coberta com toldo, janelas e bancos corridos à volta, e outra parte ao ar livre, que
permitia transportar cerca de 40 pessoas, sentadas e de pé, perante a cobrança de um bilhete. No início da década de 1950, eram proprietários dos gasolinas, Raúl de Sousa Jr. e António Bauleth/José Pedro
Bauleth (este gasolina havia sido adquirido a Mário de Almeida, um familiar, e era o que possuia um design mais atraente). Neste "gasolina" era Orlando Gomes quem cobrava os bilhetes, e que, tal como José Pedro Bauleth, ajudava as senhoras e as crianças no embarque e no desembarque, dando-lhes a mão para que não caíssem à água, nesse vai vem
entre os navios e a ponte.
Nos dias de mar encapelado, era problemático subir e descer as escadas dos navios, porque estas balançavam, e as pessoas tinham que se agarrar às cordas laterais para não caírem ao mar. Já nas manhãs de cacimbo cerrado, em que nem a água se via, para se chegar junto dos navios de carga e de passageiros a orientação era feita pelos toques das buzinas dos gasolinas e pelos apitos dos mesmos navios. Quando as idas a bordo aconteciam no Verão, para além do vai e vem de passageiros e mercadorias, visitantes, etc, etc., a velha ponte de embarque e desembarque ganhava movimento e animação, e quem por ali passasse podia ver jovens residentes exibindo sinuosos mergulhos do alto do guindaste, para em seguida irem a nado para a praia. Outros atiravam-se das escadarias da ponte e iam a nado até à praia da Capitania, a praia onde um dia nos anos 50, um capitão do porto resolveu abater a tiro a Boni-Bonita, uma inofenciva foca que se encontrava no tanque da Avenida e era o encanto da pequenada.
Nos dias de mar encapelado, era problemático subir e descer as escadas dos navios, porque estas balançavam, e as pessoas tinham que se agarrar às cordas laterais para não caírem ao mar. Já nas manhãs de cacimbo cerrado, em que nem a água se via, para se chegar junto dos navios de carga e de passageiros a orientação era feita pelos toques das buzinas dos gasolinas e pelos apitos dos mesmos navios. Quando as idas a bordo aconteciam no Verão, para além do vai e vem de passageiros e mercadorias, visitantes, etc, etc., a velha ponte de embarque e desembarque ganhava movimento e animação, e quem por ali passasse podia ver jovens residentes exibindo sinuosos mergulhos do alto do guindaste, para em seguida irem a nado para a praia. Outros atiravam-se das escadarias da ponte e iam a nado até à praia da Capitania, a praia onde um dia nos anos 50, um capitão do porto resolveu abater a tiro a Boni-Bonita, uma inofenciva foca que se encontrava no tanque da Avenida e era o encanto da pequenada.
Esta foto representa uma familia de Moçâmedes a bordo do paquete "Império", no dia da despedida de um jovem familiar que ia continuar os estudos na Metrópole. (1)
Não eram muitas as pessoas que por este tempo iam de férias à Metrópole. A maior parte das famílias, descendentes de algarvios, radicava-se na cidade, e nunca mais voltava à sua terra. isto pelo menos até meados do século XX. Por isso, excepto aqueles que beneficiavam de Licença Graciosa por serem funcionários do Estado, bancários, e um ou outro residente mais desafogado financeiramente, ou um ou outro estudante deslocado para continuar seus estudos na Metróple ou na África do Sul, não era muito comum, até meados da década de 1950, viagens deste género. Eram viagens muito dispendiosas a que a maioria da população, pobre e remediada, não tinha acesso. A"Graciosa" era uma licença para férias na Metrópole que se instalou entre os funcionários publicos dada a ideia de falta de salubridade nos territórios africanos (Africa foi durante muito tempo considerada um cemitério para os europeus e durante muito tempo foi problemático conseguir-se, na Metrópole, quem se dispusesse a avançar para ua colonização efectiva em as terras de Africa). Assim, os funcionários públicos passaram a ter esse incentivo, trabalhando para o efeito mais 1 hora por dia que o funcionário metropolitano, para que, ao fim de 5 anos, pudesse retemperar-se na Metrópole, e por África continuar.
E porque não eram muito comuns, na época, essas deslocações, sempre que alguém saia, quando regressava, sobretudo entre os homens contavam-se histórias da vida
nocturna em
Lisboa para impressionar... Falava-se das prostitutas da Avenida da Liberdade, da polícia dos
costumes que as levava e que elas enfiavam o braço no primeiro homem que aparecesse para que que confundindo-se com eles, não fossem presas, etc etc. Havia miséria na Metrópole, reduzido que estava o país coutadas de umas quantas familias, enquanto as províncias Ultramarinas praticanente estagnadas, não progrediam, o que não asmira se tivermos em consideração que em 1940 em toda a Angola eram apenas de 40.000 o número de europeus, e que até 1950 pouco progrediam. E no entanto, em meados dos anos 1950, as gentes de Angola eram olhadas na Metrópole com certa curiosidade, como se fossem todos ricos, como se houvesse em África uma árvore das patacas que bastava abanar para se enriquecer. Os baixos salários da classe trabalhadora na Metrópole, e a ideia de que as pessoas que vinham do Ultramar eram ricas, gerou uma exploração tal, que já nos anos 60 os recém desembarcados no cais da Rocha, em Lisboa, para levantarem as suas bagagens, tinham que o fazer à custa de gorgetas e mais gorgetas aos carregadores, para além das exorbitantes taxas de desalfandegamento que
tinham que pagar.
Na foto, algumas visitantes de um navio em "Dia de São Vapôr". Da esq para a dt, reconhece-se: Josefa do Ó. Faustino (de preto), Maria Dias Monteiro e duas amigas de Maria e respectivas crianças, vindas da vizinha Sá da Bandeira
O mais emblemático dos navios da frota da C.N.N. era o paquete "Príncipe Perfeito", ao serviço entre 1961 e 1976, concorrendo nas linhas de África com o "Infante D. Henrique" da C.C.N. DAQUI
A verdade é que para aqueles que tinham o privilégio de fazer estas viagens, que duravam regra geral cerca de 12 dias pelo mar fora, era como se estivessem a fazer um Cruzeiro, em que as férias começavam logo alí à saída da baía de Moçâmedes. Pelo menos para aqueles que viajavam em 1ª classe.
(ass)MariaNJardim
Na foto, algumas visitantes de um navio em "Dia de São Vapôr". Da esq para a dt, reconhece-se: Josefa do Ó. Faustino (de preto), Maria Dias Monteiro e duas amigas de Maria e respectivas crianças, vindas da vizinha Sá da Bandeira
O mais emblemático dos navios da frota da C.N.N. era o paquete "Príncipe Perfeito", ao serviço entre 1961 e 1976, concorrendo nas linhas de África com o "Infante D. Henrique" da C.C.N. DAQUI
A verdade é que para aqueles que tinham o privilégio de fazer estas viagens, que duravam regra geral cerca de 12 dias pelo mar fora, era como se estivessem a fazer um Cruzeiro, em que as férias começavam logo alí à saída da baía de Moçâmedes. Pelo menos para aqueles que viajavam em 1ª classe.
(ass)MariaNJardim
(1) Até à inauguração do 1º troço das obras do cais comercial, em 14 de Maio
de 1957, os navios que chegavam a Moçâmedes ficavam ancorados a meio da
baía, e o transporte das pessoas e das mercadorias, da ponte para os
navios e dos navios para a ponte, era efectuado através de "gasolinas" e
de "batelões" ou em "escaleres motorizados". Tudo em Moçâmedes foi tardio. Os dias de S Vapor ocorriam nos anos 50, para se fazer uma ideia do atraso em que se vivera até se chegar aí , ainda em finais da década de 1940, no ano de 1938, quando da visita do
Presidente Carmona a Moçâmedes, ainda estávamos nos tempos dos barcos à
vela. apesar de em 1948, quando da peregrinação da imagem de Nossa
Senhora de Fátima, vinda da Cova da Iria para terras de África, já a pesca em Moçâmedes ter entrado na fase das traineiras a motor. Foi aliás no pós guerra que algum progresso foi
possível com Angola a avançar com obras de fomento que se encontravam
bloqueadas, uma vez que nem a colónia nem Portugal possuíam uma
industria à altura nas necessidades, e as fábricas europeias
fornecedoras do material necessário se encontravam ao serviço da
guerra. Os dias de S.Vapor aos poucos deixaram de fazer sentido, apos a inauguração do 1º troço do cais comercia, em 24 de Maio de 1957. Entretanto o nosso comércio foi melhorando , e as pessoas já encontavam nas lojas de Moçâmedes aquele essencial para as suas necessidades.