Tito de Gouveia, um dos pioneiros da aviação em Angola, foi quem pilotou a avioneta que trouxe a imagem de Nossa Senhora de Fátima até nós, no decurso da peregrinação por terras de Africa (1) Foto gentilmente cedida por Isabel Bakanovas, neta de Tito de Beires de Gouveia
À chegada forma-se a procissão...
O CONTEXTO HISTÓRICO: Politica e religiáo
Em 1948 viviam-se os anos imediatos ao pós II Grande Guerra (1939-45), o mundo estava dividido em
esferas de influência entre as duas grandes potências, EUA e URSS, e a
nova ordem internacional imposta pela Carta das
Nações reconhecia o direito à autodeterminação dos povos,
situação que levou potências coloniais como a Inglaterra, a darem inicio a
negociações para a independência das suas possessões ultramarinas, facto
que constituiu um sério problema para a política colonial portuguesa instituída pelo Acto Colonial de 1933.
No que diz respeito à questão religiosa, as relações com a Santa Sé, que haviam sofrido um rude golpe com o triunfo da 1ª República, em 5 de Outubro de 1910, e a promulgação da Lei de Separação da Igreja do Estado (20 de Abril de 1911), encontravam-se pacificadas. Com o golpe militar de 28 de Maio de 1926, e a subida de Oliveira Salazar ao poder, o catolicismo recuperara muito da influência que detinha, no que toca à afirmação das suas crenças e enraizamento ao nível dos costumes, e Fátima surgia ao Estado Novo como proporcionado aos católicos portugueses caminhos renovadores. A Lei da Separação fazia depender de autorização prévia o culto religioso fora dos templos, o que obstaculizou as procissões populares habituais nos meios rurais. Com o Estado Novo, nas palavras do cardeal Cerejeira: «Desde que Nossa Senhora de Fátima apareceu em 1917 no céu de Portugal, uma especial bênção de Deus desceu sobre a terra portuguesa. Encerrou-se ssim o ciclo violento da perseguição religiosa e começa uma época nova de pacificação das consciências e de restauração cristã ». O Santuário de Fátima tornara-se uma espécie de centro espiritual internacional do anticomunismo, um pilar importante da política do Estado Novo. A Concordata, assinada entre Portugal e a Santa Sé, em 1940, veio restituir parte do património que a Igreja perdera em momentos históricos anteriores, bem como uma série de prerrogativas que lhe haviam sido retiradas. O chamado Acordo Missionário, criara condições para a colaboração entre a Igreja Católica e o regime, sobretudo nas colónias.
Estabelecidas as relações com a Santa Sé, começaram as peregrinações da Imagem de Nossa Senhora de Fátima pela Europa e pelo mundo. Em meados de 1948 coube a vez da peregrinação aos Açores e às Colónias de África (Cabo Verde, Guiné, Angola, Moçambique), altura em que a imagem percorreu outras paragens longínquas do mundo: Rodésia, ao Quénia, Zanzibar, Uganda, Tanzania, Abissinia, Eritreia, Sudão, Egipto, India, Paquistão, Ceilão, Tailândia, Bismânia, Singapura, Malásia, Vietnam, Austrália, Timor, Papuásia, Etiópia, Adis abeba e África do Sul. Há notícias que a recepção na África do Sul reuniu mais gente que a do rei da Inglaterra.
No que diz respeito à questão religiosa, as relações com a Santa Sé, que haviam sofrido um rude golpe com o triunfo da 1ª República, em 5 de Outubro de 1910, e a promulgação da Lei de Separação da Igreja do Estado (20 de Abril de 1911), encontravam-se pacificadas. Com o golpe militar de 28 de Maio de 1926, e a subida de Oliveira Salazar ao poder, o catolicismo recuperara muito da influência que detinha, no que toca à afirmação das suas crenças e enraizamento ao nível dos costumes, e Fátima surgia ao Estado Novo como proporcionado aos católicos portugueses caminhos renovadores. A Lei da Separação fazia depender de autorização prévia o culto religioso fora dos templos, o que obstaculizou as procissões populares habituais nos meios rurais. Com o Estado Novo, nas palavras do cardeal Cerejeira: «Desde que Nossa Senhora de Fátima apareceu em 1917 no céu de Portugal, uma especial bênção de Deus desceu sobre a terra portuguesa. Encerrou-se ssim o ciclo violento da perseguição religiosa e começa uma época nova de pacificação das consciências e de restauração cristã ». O Santuário de Fátima tornara-se uma espécie de centro espiritual internacional do anticomunismo, um pilar importante da política do Estado Novo. A Concordata, assinada entre Portugal e a Santa Sé, em 1940, veio restituir parte do património que a Igreja perdera em momentos históricos anteriores, bem como uma série de prerrogativas que lhe haviam sido retiradas. O chamado Acordo Missionário, criara condições para a colaboração entre a Igreja Católica e o regime, sobretudo nas colónias.
Estabelecidas as relações com a Santa Sé, começaram as peregrinações da Imagem de Nossa Senhora de Fátima pela Europa e pelo mundo. Em meados de 1948 coube a vez da peregrinação aos Açores e às Colónias de África (Cabo Verde, Guiné, Angola, Moçambique), altura em que a imagem percorreu outras paragens longínquas do mundo: Rodésia, ao Quénia, Zanzibar, Uganda, Tanzania, Abissinia, Eritreia, Sudão, Egipto, India, Paquistão, Ceilão, Tailândia, Bismânia, Singapura, Malásia, Vietnam, Austrália, Timor, Papuásia, Etiópia, Adis abeba e África do Sul. Há notícias que a recepção na África do Sul reuniu mais gente que a do rei da Inglaterra.
Peregrinação da imagem de Fátima a Angola: passagem por Moçâmedes
Foi em 28 Agosto de 1948 que a imagem de Nossa Senhora de Fátima, tendo partido em peregrinação aos Açores e às terras de África (1), fez a sua passagem por Moçâmedes. A imagem de Nossa Senhora de Fátima, chegou a Moçâmedes, numa avioneta da DTA, pilotada por Tito Beires de Gouveia (na 1ª foto, ao centro), e veio acompanhada de elementos da Acção Católica metropolitana, tendo a esperá-la, na antiga Gare do então "campo de aviação", uma multidão de gente que para alí se deslocou a pé, e que acenava com lenços brancos, numa manifestação de grande fervor religioso jamais acontecida em terras do Namibe. De entre a multidão encontrava-se uma senhora, moradora do Bairro Maria da Glória, que se encontrava acamada, e fora levada por familiares, na esperança de um milagre. Enquanto a imagem da Santa era retirada do interior da avioneta, e acolhida na velha gare, pétalas de flores esvoaçando, cobriam o ar à sua volta, sendo em seguida colocada sobre um andor coberto de sedas brancas e ramalhetes de rosas, onde pombas igualmente brancas, símbolos de paz, então lançadas ao ar, se foram acolher.
Foi em 28 Agosto de 1948 que a imagem de Nossa Senhora de Fátima, tendo partido em peregrinação aos Açores e às terras de África (1), fez a sua passagem por Moçâmedes. A imagem de Nossa Senhora de Fátima, chegou a Moçâmedes, numa avioneta da DTA, pilotada por Tito Beires de Gouveia (na 1ª foto, ao centro), e veio acompanhada de elementos da Acção Católica metropolitana, tendo a esperá-la, na antiga Gare do então "campo de aviação", uma multidão de gente que para alí se deslocou a pé, e que acenava com lenços brancos, numa manifestação de grande fervor religioso jamais acontecida em terras do Namibe. De entre a multidão encontrava-se uma senhora, moradora do Bairro Maria da Glória, que se encontrava acamada, e fora levada por familiares, na esperança de um milagre. Enquanto a imagem da Santa era retirada do interior da avioneta, e acolhida na velha gare, pétalas de flores esvoaçando, cobriam o ar à sua volta, sendo em seguida colocada sobre um andor coberto de sedas brancas e ramalhetes de rosas, onde pombas igualmente brancas, símbolos de paz, então lançadas ao ar, se foram acolher.
Formou-se em seguida uma extensa procissão que, cumprindo o programa pré-estabelecido pela "comissão organizadora" da qual faziam parte entidades camarárias, governo civil, padres da Igreja, e elementos masculinos e femininos da Acção Católica , percorreu serpenteando as ruas da cidade, rumo ao antigo "campo de futebol" de terra batida, situado ao fundo da Avenida da República, onde foi rezada uma missa campal ministrada pelo muito estimado e popular Padre Guilhermino Galhano.
Em todo o trajecto, viam-se colchas vermelhas colocadas às janelas, arcos erguidos em cada quarteirão pelos moradores das respectivas zonas, enfeitados com grinaldas de flores de papel das mais diversas cores, bandeiras e dísticos em cuja elaboração toda a população colaborou.
Enquanto a Imagem de Nossa Senhora de Fátima sobre o andôr , em procissão, avançava rumo ao à cidade, na Avenida Felner (a
avenida sobranceira ao mar que começa no Palácio e liga a baixa da cidade à Torre do Tombo), alguns dos moradores aguardavam, ansiosos, a sua chegada: Joaquim Gregório, Violete
Velhinho, o casal Rosarinha e António Paulo (António da Rita), o casal
Francisco Velhinho e Mariete, o casal Gregório e Maria do Rosário e ti
Silva. Foto do livro Recordar Angola, 2º volume, de Paulo Salvador.
As senhoras de Moçâmedes fizeram questão de participar no transporte da imagem...
As
irmãs da caridade carregando o andor...
Incorporaram a procissão representantes das forças vivas da cidade, entidades oficiais, o corpo de bombeiros voluntário, trajado de farda branca a rigôr, as
irmãs da caridade, professores e professoras, alunos e alunas de todas
escolas do distrito, advogados, juizes, médicos, engenheiros,
industriais, comerciantes, funcionários públicos, bancários, caixeiros,
agricultores, pescadores, serralheiros, pedreiros, homens de capacete,
senhoras e senhorinhas (de cabeça coberta por véus negros e brancos
rendilhados, ou de cabeça descoberta), serventes, criados, cozinheiros,
lavadeiras, etc, etc, gente de todos os estratos sociais, sem distinção
de côr, de idades e de sexo, que o solene momento uniu. Os alunos das
Escolas do distrito vestiam a farda da Mocidade Portuguesa: calções e meias altas castanhas, camisa verde com emblema, bivaque na
cabeça e cinto castanho com uma fivela branca com o enorme S
metálico incrustado a simbolizar a fidelidade a Salazar, e carregavam ao ombro velhas «mannlikas», espingardas alemães da 1ª Guerra Mundial (1914-18), numa mistura de sagrado e profano que só a compreensão do regime em que se vivia permite agora compreender... As alunas vestiam bata branca, ou saia azul escura e blusa branca, consoante a instituição
de ensino que frequentavam, escolas públicas ou colégio das irmãs Doroteias.
A
imagem percorreu as ruas da cidade, rumo ao velho campo de futebol, onde foi realizada uma Missa
Campal
Foi no cimo desta tribuna forrada de sedas, que a imagem foi colocada e foi ministrada uma Missa pelo padre Guilhermino Galhano, pessoa muito estimada na urbe. Ladeando a imagem, encontrava-se a guarda de honra composta por alunos da Escola Prática de Pesca e Comércio de Moçâmedes, envergando fardas, à época obrigatórias, da Mocidade Portuguesa. Era então Chefe de Castelo, Carlitos Alves de Oliveira, que se encontra na dianteira. Reconhecemos ainda os então alunos Ferreira e Beto de Sousa, à direita da imagem, e à esquerda, Rui Bauleth de Almeida e Albertino Gomes (clicar sobre a foto para aumentar).
Já no interior do campo de futebol foram
de novo lançadas ao ar pombas brancas que, percorrendo vários e
sinuosos vôos, acabaram pousando aos pés da Imagem, acontecimento
insólito que deixou toda a gente surpreendida.
Terminada a missa campal e as centenas de comunhões que se seguiram, a Imagem de Nossa Senhora de Fátima, sempre levada em ombros e acompanhada das pombas brancas que nunca a abandonaram, prosseguiu em procissão rumo à Igreja de Santo Adrião, onde à entrada passadeiras vermelhas estendidas pelo chão aguardavam a sua chegada. Todos queriam carregar a imagem, incluindo senhoras de diferentes idades, irmãs Doroteias, que fizeram questão de participar.
Já no interior da Igreja iluminada e de portas abertas, com gente que entrava e saia pela noite fora até ao alvorecer do dia, em devoção à Senhora de Fátima, decorreram terços, cânticos, ossanas e orações, numa "velada", sob a orientação de senhoras da Acção Católica, que constantemente se revezavam.
Na manhã do dia seguinte, de novo a população de Moçâmedes aderiu em massa à cerimónia, da "Benção do Mar", conduzindo a imagem
da Santa, em procissão, desde a Igreja até à velha ponte de
embarque/desembarque, fazendo-a embarcar para o interior de uma
traineira que percorreu a baía de ponta a ponta, tendo a acompanhá-la um
cortejo de centenas de barcos de pesca, de todas as artes, e de todo o distrito, barcos de carga e de transporte, gasolinas, etc, devidamente engalanados e apinhados de gente.
No dia seguinte foi a vez da "Benção do Mar"
A "Benção do Mar"
A imagem é conduzida para o interior de uma traineira engalanada...
A "Benção do Mar"
Enquanto na baía decorria o cerimonial da "Benção do Mar", em terra, junto a um velho barracão, entre a praia e a Avenida, o corpo da Associação Beneficente dos Bombeiros Voluntários de Moçâmedes, comandado por Sacadura Bretes, e povo muito povo, aguardavam o regresso da imagem para de novo se incorporarem na procissão que a conduziria de regresso ao campo de aviação, onde se assistiu à
cerimónia do ADEUS.
Algo impressionante, com milhares de lenços brancos a acenar, pétalas de flores esvoaçando, olhos lacrimejantes, enquanto a imagem, retirada do andor, e transportada em ombros, desaparecia no interior do avião.
Os mais antigos habitantes da cidade recordavam a grandeza de outras visitas, como a visita de Sua Alteza o Principe Luiz Filipe em 1907, quando Moçâmedes de vila havia subido a Real Cidade, encantada que ficara com delicadeza e encanto do seu jovem Principe. Recordavam a pompa e circunstância que tinha presidido à visita do Presidente Carmona, em 1938, que fora aguardado à entrada do navio na baía, por uma escotilha de centenas de barcos à vela, e festejada durante 3 dias, com desfiles váriados em plena Avenida da República que se apinhou de gente, e que incluiam desfiles de povos indígenas de várias etnias, cuanhamas a cavalo, cuamatos, evales, cafimas, cuvales, muhilas, etc, desfile de alunos das escolas vestidos com as suas batas brancas, marchando de braço esticado para a frente, em «saudação olímpica»**... Portugal pretendia assim mostrar ao mundo a unidade do
povo de Angola e a sua vontade de continuar Portugal.. E para culminar um grande banquete com distribuição de brinquedos, oferecidos a todas as crianças, incluindo as africanas, que à época eram muito poucas, uma vez que o grosso da populaçáo africanaeram contratados por 2 anos, fundos os quais regressavam às suas terras, homens sós que prestavam serviços nas pescarias e nas propriedades agricolas, etc, etc. em plena Avenida da República que se apinhou de gente. ue pretendia mostrar ao mundo a unidade do
povo de Angola e a sua vontade de continuar Portugal..
Em 1948, a Imagem
de Nossa Senhora de Fátima, vinda da Cova da Iria, em
peregrinação por terras do Ultramar português, era igualmente
aproveitada pelo poder político vigente. Os discursos oficiais
proclamavam: Nossa Senhora estava ali, para "...em nome da Paz e da
reconciliação entre os povos, a todos unir em nome de Portugal!".
Ficam mais estas recordações.
MariaNJardim
(*) Estava-se na vigência do Estado Novo, no rescaldo da II Grande
Guerra Mundial (1939-1945). Nesta altura ainda não se nota a presença de Mocidade Poruguesa. Neste pormenor, o da saudação olímpica, diz-se que Salazar copiou
as instituições
fascistas alemães e italianas dirigidas para a juventude, que visavam
"estimular o desenvolvimento integral da sua capacidade física, a
formação do carácter e a devoção à Pátria, no sentimento da ordem, no
gosto da disciplina, no culto dos deveres morais, cívicos e militares".
Os jovens estudantes eram obrigados a aceitar, mas faziam-no até com um
certo orgulho, gostavam de fardas, desconhecedores das conotações
políticas da instituição, e mais interessados naquilo que tinha de
desportivo, cultural e social (vela, voleibol, futebol, ténis,
natação, excursões, camaradagem...)
Nota: Estes textos estão cobertos por leis de Copyright. Peço pois que tudo quanto for deste blog retirado para ser veiculado, não se esqueça de citar a proveniência, quer dos textos quer das imagens. O contrário, para além de falta de ética revela infracção, é punível por lei.
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