Segue um pouco da História do ensino secundário em Moçâmedes:
Depois de ter exposto aqui a série de fotografias que ficaram a marcar o ano do encerramento dos meus estudos na Escola Comercial e Industrial de Moçâmedes, irei debruçar-me um pouco sobre a História do Ensino Secundário no nosso distrito, pelo menos até ao início da década de 1960.
Naquele tempo persistia ainda a ideia retrógada de que a escola pública deveria realizar uma reprodução social e cultural, ideia que levou as autoridades portuguesas a entenderem que Moçâmedes, considerada que sempre fora uma cidade essencialmente voltada para as coisas do mar, não deveria possuir uma instituição liceal, bastando proporcionar à sua juventude estudos práticos, considerados mais adequados ao meio, numa escola secundária e apenas ao nível do curso geral. Isto quer dizer que quando um aluno completava os estudos ao nível do 5º ano da Escola Comercial e Industrial de Moçâmedes, em 1956, não tinha qualquer chance de os prosseguir, e entrar numa Universidade, porque em Moçâmedes não havia um Liceu. E mesmo se houvesse um Licei, em Angola não havia uma Universidade.
Os estudos liceais eram considerados como propedêuticos ao ensino superior, destinar-se-iam aos futuros candidatos a uma Universidade na Metrópole, uma vez que a Universidade de Luanda só veio a ser criada em 1969, ideia que não apenas veio prejudicar os filhos de Moçâmedes, como obrigou aqueles que pretendiam prosseguir os estudos para níveis superiores, a muito cedo terem que deixar as suas casas, para ingressarem no Liceu Diogo Cão em Sá da Bandeira, a cidade mais próxima, a expensas de suas famílias, e em muitos casos com os maiores sacrifícios.
Recuando no tempo, abordaremos a seguir um pouco daquilo que foi a evolução histórica do "Ensino Secundário" em Moçâmedes:
- Foi em 1918 que surgiu pela primeira vez uma fugaz tentativa de criação de uma escola para o Ensino Secundário em Moçâmedes, a "Escola Marítima de Moçâmedes", prevendo-se para a mesma um curso preparatório com a duração de dois anos, um ensino primário complementar, o que só podia conceber-se se soubessem já ler e escrever correntemente e efectuar as operações aritméticas. Estava previsto que, além da parte literária propriamente dita, aprendessem outras coisas, como ginástica educativa, exercícios paramilitares, natação, remo, trabalhos de velame, cordoaria e calafate. Deveriam estudar também os acidentes geográficos litorais de Angola, sobretudo os da costa do distrito de Moçâmedes, a influência e orientação predominante dos ventos, correntes, etc.. Eram ainda ministradas aos alunos noções relacionadas com a História da Colonização do Sul de Angola. O curso especial, que durava também dois
anos, consistia no estudo de Aritmética e Geometria, Físico-Química,
Ciências Histórico-Naturais, Legislação, Contabilidade, Escrituração
Comercial, Desenho, Indústrias Marítimas, Construções Navais, etc.. A
parte prática do curso obrigava a aprender a fazer sondagens, medir a
força das correntes, treino na caça à baleia, fabricação de óleos,
guanos e colas, curtume de peles. etc. Contudo esta ideia não chegou a ser levada à prática.
No ano seguinte, em 1919, Filomeno da Câmara ousou criar, à revelia do Poder Central, o Liceu de Luanda e duas Escolas Primárias Superiores, em Sá da Bandeira e Moçâmedes. Era um novo tipo
de Escola que seria regulamentada, três anos depois, por Norton de Matos. De facto a "Escola Primária Superior Barão de Moçâmedes" foi posta a funcionar em 1925. Não obstante, houve ainda uma
tentativa de se se criar em Moçâmedes essa outra Escola agora com a designação de Escola Industrial
Marítima de Moçâmedes.
A Escola Barão de Moçâmedes embora ostentasse a designação depreciativa de Escola Primária Superior, possuia um currículo de cariz literário que a demarcava de um ensino meramente profissional e primário, e a colocava a par de um ensino secundário.
Em 1927, esta Escola, que de início era administrada pela Câmara Municipal, passou a sê-lo pelo Estado, e a partir de 1930, passou a adoptar períodos lectivos idênticos aos dos liceus, mantendo embora não o currículo distinto do liceal, apesar dos sonhos, que já nesta altura, acalentavam professores, educandos e população, da sua elevação a categoria superior na escala da classificação. Contudo em 1936, a Escola Primária Superior Barão de Moçâmedes foi extinta para dar lugar à Escola Prática de Pesca e Comércio de Moçâmedes.
-A Escola Prática de Pesca e Comércio de Moçâmedes, por sua vez foi substituída pela Escola Comercial e Industrial de Moçâmedes, em 1952, e esta, por por evolução natural, deu lugar, em 1960, à actual Escola Industrial e Comercial Infante D. Henrique, que passou a funcionar em novas e modernas instalações apropriadas para o efeito. O Infante de Sagres, o Navegador, um apaixonado pelas ciências náuticas, foi o seu Patrono.
Assim, até 1961, o ano em que tudo em Angola e nas restantes colónias começou a mudar, ao nível estatal do ensino secundário, por motivos atrás salientados, existia em Moçâmedes apenas uma Escola de cariz tecnico-profissional, a Escola Industrial e Comercial Infante D. Henrique, que não dava a equivalência ao Curso Geral dos Liceus.
Quanto à instituição liceal em Moçâmedes, esta só viria a ser fundada, com o nome de Liceu Almirante Américo Tomás, a partir de 21 de Outubro de 1961, nesse ano fatídigo, como atrás referi em que em Angola tudo começou a mudar, com os movimentos independentistas a começarem a movimentar-se como foram o assalto do MPLA às cadeias de Luanda e os massacres da UPA levados a cabo contra populações trabalhadoras e indefesas, europeus e africanos, nas fazendas do norte de Angola.
Não esqueçamos (...) que a palavra «liceu»
pertence à tradição aristotélica, porque está associada ao culto de
Apolo, príncipe das nove musas e à vitória da humanidade sobre a
animalidade. Não é a técnica nem a ciência o que humaniza o homem, e se
(...) o liceu não deve ser mais do que um colégio das artes, temos de
concluir (...) pela afirmação de que o liceu nada será se não cultivar a
mais alta e difícil das artes, que é a de filosofar". Álvaro Ribeiro
Lembro-me perfeitamente do dia em que o Professor Adriano Moreira, então Ministro do Ultramar, de visita a Moçâmedes, no decurso de uma manifestação nocturna junto ao Palácio do Governador com gritos de ordem: queremos um Liceu!...queremos um Liceu!.. veio à varanda do Palácio dizer simplesmente à multidão: o Liceu de Moçâmedes chama-se «Liceu Almirante Américo Thomás». Conclusão óbvia: quando a manifestação foi preparada, a decisão já estava tomada, mas ainda bem, finalmente tínhamos alcançado o direito ao nosso Liceu, ainda que numa 1ª fase apenas ao nível dos estudos gerais liceais.
Apesar da inexistência de uma instituição liceal em Moçâmedes até 1961, e de uma Universidade em Angola até 1969, alguns moçamedenses, muito poucos, conseguiram ingressar no ensino superior, ou seja, uma Universidade na Metrópole, ou até mesmo na África do Sul. Um ou dois fizeram exposições a Salazar e lá conseguiam a bolsa de estudo, outros tiraram os seus cursos a expensas das respectivas famílias, com grandes sacrifícios financeiros, outros tiraram os seus cursos numa luta titânica contra toda uma série de condicionalismos, como era, por exemplo o caso das equivalências, que lhe dificultava a caminhada, obrigando-os a autênticos malabarismos.
A seguir transcrevo um texto elucidavo dos transtornos que essa legislação acarretava para os filhos de Moçâmedes. Ele aí vai, assinado por alguém que foi aluno da Escola Prática de Pesca e Comércio de Moçâmedes, a Escola de ensino secundário (até ao 5º ano, o Curso Geral, que foi extinta em 1951, para dar lugar à Escola Comercial e Industrial de Moçâmedes. ASA sofreu na pele o facto de ter querido prosseguir os seus estudos e só ter encontrado barreiras. Depois de terminado o 5º ano e já a trabalhar, aos 16 anos de idade, ele próprio esteve à frente de uma petição ao Governo para que a
Secção Preparatória para os Institutos Comerciais fosse possibilitada aos moçamedenses:
"
- A criação da Secção Preparatória para os Institutos Comerciais -
Mais tarde, já a trabalhar no Grémio da Pesca, resolvemos retomar os
estudos.Na época, havia uma grande discriminação entre alunos da Escola
Comercial e dos Liceus. Eram compartimentos estanques.Os alunos do Curso
Comercial eram os patinhos"feios" e os do Liceu do Lubango os meninos
"bonitos". Não se permitia que se transitasse de um curso - o comercial-
para o outro - o liceal-.. O que significava que apenas era possível
prossseguir os estudos na área de Economia e Finanças e em Lisboa.
Assim , tornou-se imperioso lançar um forte movimento para a criação da
Secção Preparatória para os Institutos Comerciais na nossa escola,
requerendo ao" poder colonial de Lisboa " a sua instalação. A
iniciativa , com grande apoio dos diplomados da Escola, teve sucesso e
veio a começar a funcionar pela primeira vez no ano lectivo de 1955, em
regime de horário post-laboral.
Tivemos a honra de ser o primeiro
aluno da Escola a frequentar o Instituto Comercial de Lisboa,que
funcionava no palacete da Rua das Chagas.
ASA (ass) " Fim de citação.